História do Carnaval no Nordeste do Brasil

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História do Carnaval no Nordeste
História do Carnaval no Nordeste

O Carnaval, festa de antiga tradição católica originada na Europa, realiza-se anualmente nos três dias que antecedem a Quaresma.

Introduzido no Brasil pelos colonizadores portugueses, era conhecido por Entrudo nos primeiros séculos de vida colonial. Nesse período, costumava-se fazer uso dos jogos de limas e limões de cheiro ou o de atirar pós e vasilhames de água e de outros líquidos uns nos outros.

O brinquedo era vivenciado entre famílias nas moradas senhoriais ou nas ruas e nos largos onde geralmente se divertiam os escravos e os homens livres pobres.

Durante o Império, a festa dedicada ao riso e ao prazer passou a denominar-se mais comumente de Carnaval.

As elites urbanas pouco a pouco foram abandonando o brinquedo do Entrudo e voltaram os olhos para os carnavais das cidades mais progressistas da Europa, a exemplo de Nice, Paris, Nápoles, Roma e Veneza, onde a folia era animada por bailes, danças, músicas, salões iluminados, banquetes, cortejos e desfiles de máscaras e trajes luxuosos pelas ruas das cidades.

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Esses divertimentos eram tidos como sinal de civilização e progresso, de elegância e adiantamento cultural.

A partir de meados do século XIX, surgiram as sociedades carnavalescas, formadas por membros das elites socioeconômicas e culturais urbanas cujos sócios exibiam-se mascarados, desfilando em carros de alegoria e crítica.

 Cena de carnaval, J. B. Debret
Cena de carnaval, J. B. Debret

Fazer crítica aos costumes, à política e aos tipos sociais através do riso e do humor e sem cometer ofensas pessoais era prática extremamente valorizada. Salvador, na Bahia, teve o Bando Anunciador dos Festejos Carnavalescos, os Cavalheiros do Luar e os Cavalheiros da Noite, cujos integrantes eram os moços do comércio e alguns caixeiros de escrita.

Na década de 1890, apareceram os clubes de negros que desfilavam em luxuosos carros de críticas e de idéias, acompanhados por uma charanga composta por instrumentos africanos. Seus nomes remetiam à África: Embaixada Africana e Pândegos d’África, Chegada Africana e Guerreiros d’África. Esses grandes clubes de negros constituíram uma particularidade do Carnaval de Salvador.

No Recife, o Carnaval das máscaras, das críticas e das alegorias era representado pelas sociedades carnavalescas Asmodeu, Garibaldina, Comuna Carnavalesca, Azucrins, Os Philomomos, Cavalheiros da Época, Fantoches do Recife, Clube Cara Dura, Seis e Meia do Arraial e outros.

Recife carnaval com mascaras
Recife carnaval com mascaras

Em 1883, o Clube Francisquinha fazia a alegria do Carnaval de rua de São Luís do Maranhão. De presença mais marcantes nas folias de Momo a partir da década de 1870, os clubes de alegoria e crítica entraram em franca decadência nos primeiros anos do século XX.

As camadas populares, por sua vez, continuaram a ocupar as ruas com seus brinquedos e suas diversões, sendo objeto de desprezo das elites, de críticas da imprensa e de repressão policial — segmentos que os viam como sinal de ignorância e de atraso socioeconômico e como um potencial perigo à ordem pública.

No Recife, além do Entrudo, o “populacho” entregava-se aos sambas, aos maracatus e às cambindas, divertiam-se com o Rei do Congo, os fandangos e o bumba-meu-boi.

Em São Luís, no final do século XIX, proliferaram os baralhos — bando de negros pintados de branco, portando sombrinhas ou guarda-chuvas — e os cordões de ursos, fofões, morcegos, mortes, sujos e de outros bichos como guarás, carneiros, águias.

Na folia de Salvador, os “caretas” apareciam envoltos em esteiras de catolé ou com folhas de árvore recobrindo os abadás; além da caricatura do Ioiô Mandu, fantasia confeccionada com anágua, peneira, cabo de vassoura e um paletó velho.

Em 1905, a fim de evitar o chamado processo de “africanização” do Carnaval de Salvador, foram intensificadas as medidas repressivas aos folguedos populares carnavalescos de rua, que incluíam os batuques, sambas e candomblés. Até o início dos anos 1930, não são conhecidas notícias de clubes ou blocos que evocassem a África ou executassem batuques nas ruas centrais da capital baiana.

No Recife, a partir de 1880, década em que foi abolida a escravidão e proclamada a República no Brasil, multiplicou-se o número de agremiações carnavalescas populares nas ruas, formadas por trabalhadores urbanos, artífices e artesãos, operários, caixeiros, feirantes, domésticos.

Quando se apresentavam em público, arrastavam toda sorte de gente: desocupados, vadios, moleques de rua, capoeiras.

Dentre os clubes carnavalescos pedestres, predominavam aqueles que se faziam acompanhar pelas bandas de música ou orquestras de metais que executavam as vibrantes marchas carnavalescas, mais tarde conhecidas por marchas pernambucanas e, finalmente, por frevo: Caiadores, Caninha Verde, Vassourinhas,Pás, Lenhadores, Vasculhadores, Espanadores, Ciscadores, Ferreiros, Empalhadores do Feitosa, Suineiros da Matinha, Engomadeiras, Parteiras de São José, Cigarreiras Revoltosas, Verdureiros em Greve, em meio a tantos outros.

No vaivém dos clubes e troças, nasceram o frevo e o passo pernambucanos. No início do século XXI, convencionou-se que o frevo nasceu em 1907, ano em que foi encontrado o primeiro registro da palavra frevo em um jornal local, o Jornal Pequeno, na edição de 9 de fevereiro de 1907.

Os maracatus nações, com suas loas e toadas de bombo, também considerados pelas elites como periculosos, infectos, produtores de “um barulho infernal”, passaram a ser mais ou menos tolerados pelas elites pernambucanas a partir das décadas de 1920 e 1930, talvez por remeterem à tradicional cerimônia do Rei do Congo e pelo fato de alguns se exibirem “vistosamente organizados”.

Negros, mulatos e caboclos buscaram ainda espaço na folia organizados nos Caboclinhos, grupos que se apresentavam com músicas, danças e indumentária que evocavam os auto-hieráticos utilizados pelos missionários jesuítas na catequese dos índios: Tribo Canindés (1897), Carijós (1899), Tupinambás (1906) e Taperaguases (1916).

A partir de 1930, teve início o processo de oficialização do Carnaval no Brasil e as manifestações culturais oriundas das camadas populares passaram a ser reconhecidas como a grande força e expressão do Carnaval. No Recife, a Federação Carnavalesca Pernambucana, fundada em 1935, tornou-se responsável pela organização dos festejos e definiu as categorias das agremiações carnavalescas de rua: clube de frevo, troça, bloco, maracatu nação ou de baque virado e caboclinhos.

Ficaram excluídos da lista os populares ursos e bois de Carnaval e os maracatus de baque solto. Nesse período, o frevo passou a ser considerado oficialmente como símbolo de identidade cultural de Pernambuco.

Em São Luís, em 1929, surgiram as turmas de batucada ou blocos que recuperaram os ritmos tradicionais locais. Em Salvador, o Carnaval popular recuperou o ânimo a partir de 1949, com a criação do afoxé Filhos de Gandhi, grupo formado por estivadores e ligado ao candomblé.

Na década de 1950, as prefeituras do Recife e de São Luís assumiram a organização dos respectivos Carnavais e instituíram os concursos oficiais entre as diferentes categorias de agremiações carnavalescas.

Tinham a intenção, entre outras, de transformar o Carnaval em produto turístico e num grandeespetáculo ao ar livre. O surgimento do trio elétrico, que modificou radicalmente a estrutura e a forma dos festejos carnavalescos de Salvador, data de 1951.

Nos anos 1980, os trios elétricos eram vistos animando os Carnavais e as Micaremes, os chamados “Carnavais fora de época”, em diversas cidades brasileiras.

Durante os anos da ditadura militar, os Carnavais de rua do Recife, de Salvador e de São Luís quase desapareceram. Começaram a recobrar força e energia com os primeiros sinais de abertura política, a partir de 1975. Em Pernambuco, explodiram os festejos nas ruas de Olinda onde os clubes carnavalescos exibiam-se em meio ao povo, sem os desfiles, as passarelas e os concursos oficiais.

Em 1978, no Recife, surgiu o Clube de Máscaras O Galo da Madrugada, que se tornaria a maior agremiação carnavalesca do mundo, conforme registro no Guinness Book, o livro dos recordes, na virada do século XX para o XXI.

Em São Luís, impulsionados pelo crescimento do Movimento Negro, apareceram, por volta de 1984, os primeiros blocos de matriz cultural afro-brasileira e, desde os anos 1990,o Carnaval tem mostrado sua vitalidade através das expressões culturais de raízes locais.

Na cidade de Salvador, os Filhos de Gandhi e o Ilê Aiyê, criado em 1974, afirmaram-se como grandes expressões da negritude, contribuindo para o processo de preservação, fortalecimento e valorização da identidade étnica e cultural dos afrodescendentes e dando sentido positivo à chamada “reafricanização” do Carnaval da Bahia.

Afoxés e blocos de negros dividem, hoje, as avenidas e as atenções do público e dos meios de comunicação de massa com os trios elétricos e os blocos com seus abadás e cordões de isolamento. Ao findar o século XX, a festa baiana já havia se convertido num rentável e lucrativo empreendimento comercial, sujeito à lógica do mercado, embora muitos ainda o procurem simplesmente para rir, divertir-se e brincar.

Quando redigiu as primeiras linhas do romance “Gabriela, Cravo e Canela”, no fim da década de 1950, o escritor Jorge Amado não imaginava que aquela personagem de beleza brejeira e habilidosa nas artes da sedução e da culinária se tornaria um dos principais ícones culturais da cidade de Ilhéus, que está localizada a 405 km de Salvador.

Ao andar pelas ruas do pacato município margeado pelo mar e por uma vasta área de Mata Atlântica é possível ter noção do que foi a Ilhéus dos anos 1920, tão bem narrados por Amado.

No centro da cidade, o comércio é pujante e as casas ainda guardam o luxo e a dimensão do que foi o período áureo da lavoura cacaueira, que sucumbiu com a praga da vassoura-de-bruxa no fim dos anos 1980.

Do período dos coronéis e da fartura, quando o cacau era tido como moeda de troca para grandes transações financeiras e a quantidade de terra e propriedades representava poder e sinal de riqueza, alguns símbolos foram resguardados e permanecem ativos até hoje.

Um deles é o centenário Bar Vesúvio, que no romance pertencia ao turco Nacib, personagem que vive uma história de paixão com Gabriela.

O outro é o Bataclan, famoso bordel, de propriedade da cafetina Maria Machadão, onde no passado os barões do cacau iam para se divertir ou afogar as mágoas e hoje é um restaurante que funciona de segunda a sábado para almoço, jantar e programações musicais e culturais.

A extravagância dos poderosos também é retratada na Rua Antonio Lavigne de Lemos, que permite o acesso entre as duas principais igrejas da cidade: a Catedral de São Sebastião e a Igreja de São Jorge, padroeiro. São várias dezenas de metros pavimentados com pedras de cobalto, pavimentação essa patrocinada pelo milionário Misael Tavares, que hoje dá nome a um palacete.

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