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A Arte Popular do Nordeste do Brasil reflete a extensão de seu território e a diversidade de sua cultura e alguns tipos de trabalho são encontrados, com pequenas variações, em todos os estados.
Ao mesmo tempo em que se apóia na tradição, a arte popular do Nordeste descobre novas linguagens, técnicas e materiais: a capacidade de reinventar-se atesta sua inesgotável vitalidade.
A produção artesanal do Nordeste reflete a extensão de seu território e a diversidade de sua cultura.
Veja-se o exemplo das rendeiras: em toda a costa nordestina – e em vários pontos do sertão, sobretudo nas cidades que margeiam o São Francisco – encontram-se mulheres que, apoiadas em almofadas ou molduras de madeira, empunham agulhas ou bilros e produzem trançados finissimos como os trazidos pelas primeiras européias que chegaram à colônia.
São tramas e bordados que, conforme a técnica, recebem nomes como labirinto, boa-noite, filé, redendê – e que costumam deixar os povoados costeiros para ganhar o circuito da moda das capitais brasileiras.
VÍDEO SOBRE ARTE POPULAR NORDESTINA
ARTE POPULAR NORDESTINA
- RENDA
- ITERATURA DE CORDEL
- ARTESANATO EM MADEIRA
- CERAMICA E BONECOS DE BARRO
- ARTE DAS GARRAFAS DE AREIAS COLORIDAS
- ARTESANATO DE MARAGOGIPINHO NA BAHIA
- ENTRE A TRADIÇÃO E O MERCADO
TRABALHO DO GRUPO, TRABALHO DO ARTISTA
Há trabalhos artesanais cuja autoria se dissolve na coletividade e há aqueles que levam a marca do artesão.
As máscaras, fantasias e roupas bordadas usadas no Carnaval, no bumba-meu-boi e nas folias-de-reis, assim como as roupas e objetos utilizados em rituais afro-brasileiros ou as marionetes chamadas mamulengos, são confeccionadas por artistas quase sempre anônimos.
Por outro lado, em Caruaru, no agreste pernambucano, Vitalino Pereira dos Santos (1909-63) conferiu às figuras modeladas em barro típicas da região um estilo e uma linguagem só seus, com que retratou cenas do cotidiano sertanejo; formou uma legião de seguidores, fazendo jus ao título de “mestre “.
Hoje, seus filhos e netos dão continuidade a seu trabalho, e o bairro em que nasceue viveu, o Alto do Moura, foi considerado pela Unesco o maior centro de arte figurativa das Américas.
Não muito longe dali , na zona da mata de Pernambuco, a cerâmica também é fonte de renda para mais da metade da população da cidade de Trucunhaém.
A pesquisadora Lélia Coelho Frota aponta que se o eixo temático da cerâmica de Caruaru é o registro do dia-a- dia, a de Trucunhaém é essencialmente voltada para o sagrado e o solene, visíveis nos santos moldados por Maria Amélia e Zezinho e nos magníficos leões de mestre Nuca (1937-2004).
1. RENDA
A renda também, é uma arte popular no nordeste e esta presente em roupas, lenços, toalhas e outros artigos, têm um importante papel econômico nas regiões Norte, Nordeste e Sul.
A chamada renda de almofada ou de bilros é desenvolvida pelas mãos das rendeiras que trabalham com uma almofada, um papelão cheio de furos, linha e bilros (pequenas peças de madeira semelhantes a fusos).
Trazida pelos portugueses e pelos colonos açorianos, esta técnica é um trabalho tradicional de vários pontos do litoral brasileiro.
Os papelões são passados de geração a geração e alguns motivos são exclusivos de uma família. Apesar de a renda não ser um produto originalmente brasileiro, tornou-se um produto local através da aculturação.
RENDA DO BILRO NO CEARÁ
A renda é uma forma de artesanato têxtil, cuja origem histórica remonta dos séculos XV e XVI, e cuja paternidade é reivindicada por Flandres e Itália. Flandres se intitula com inventora da renda de bilro e a Itália exige a patente da renda de agulhas, de onde se originou a renda renascença.
Como primeira categoria de renda, se encontram as rendas confeccionadas com o bilro, denominadas “rendas de bilro”.
O bilro é um pequeno instrumento composto por uma curta haste cuja ponta apresenta um formato esférico.
Na outra ponta da haste é presa uma quantidade de linha, que no manuseio do artesão, vai sendo presa a um design padrão ou desenho da renda a ser desenvolvido.
A produção desse tipo de renda requer o uso de vários bilros, cuja quantidade varia conforme a complexidade do desenho. A renda de bilro é produzida em cima de almofadas repousadas sobre o colo da artesã, ou assentada em cavalete de madeira à sua frente.
O fio usado pelas rendeiras de bilro é o algodão, predominando o uso da cor branca, pela tradição e por não dificultar a visão. O molde utilizado é denominado “pique”.
Os modelos de desenho são antigos, sendo repassado de uma geração para outra. Para obter modelos novos, as rendeiras emprestam os piques entre si, ou conseguem amostras de outros lugares. Algumas raras rendeiras fazem a renda de cabeça, sem utilizar molde.
As rendas criadas podem tomar diversas formas:
- bicos ou pontas que irão ser usados para enfeitar beiras de tecidos, ou para ser aplicado entre dois pedaços de tecido
- colchas, toalhas, centros de mesa e guardanapos
- rendas na forma de flores, corações, leques, entre outros, para aplicações em tecido, para enfeitá-lo
- palas: peças inteiras, que serão utilizadas sobre decotes de camisolas, blusas e vestidos
As atividades de renda e bordado constituem o artesanato predominante no Ceará, presente em cerca de 104 municípios.
Conforme o Sistema de Acompanhamento da Central de Artesanato do Ceará SAC–CEART, quanto a tipologia “renda de bilro” estão cadastrados 700 artesãos, onde nesse universo, 99,4% são mulheres e 0,6% são homens.
Registros apontam que essa tipologia existe no Ceará desde a colonização, tendo se espalhado pelo interior e em áreas do litoral, concentrando-se principalmente nos municípios de Aquiraz, Aracati, Beberibe, Acaraú e Trairi.
O desenvolvimento do artesanato pode se tornar uma marca da região. Assim ocorre para o distrito da Prainha com a Renda de Bilro, situada no município de Aquiraz.
O município de Aquiraz possui mais de três séculos de existência, e uma população estimada de 72.628 pessoas residentes. O forte apelo turístico e um
histórico relacionado ao artesanato destacam-se como suas características relevantes.
2. LITERATURA DE CORDEL
Talvez nada seja mais típico da arte popular nordestina que a literatura cordel.
Na literatura de cordel a literatura e imagem se cruzam nos folhetos vendidos em ruas e mercados do sertão: nas capas, xilogravuras ilustram os versos, que passam por toda sorte de temas – de histórias de amor e lendas do folclore à denúncia social e à crítica política.
A pernambucana Bezerros, vizinha de Caruaru, intitula-se “capital do cordel” e abriga alguns de seus maiores nomes, a começar pelo octogenário J. Borges, poeta, cantador e ilustrador.
A mesma tradição sobrevive na cearense Juazeiro do Norte, onde viveu o mítico mestre Noza (1897-1984), tambérn escultor: atualmente existem na cidade oficinas em que artesãos reproduzem suas famosas imagens de padre Cícero talhadas em madeira.
3. ARTESANATO EM MADEIRA
Ao lado das imagens de padre Cícero fabricadas em juazeiro do Norte, há no Nordeste uma tradição de arte e trabalhos de madeira ligados ao imaginário religioso.
Em Cachoeira, no Recôncavo Baiano, Louco – nome pelo qual ficou conhecido o escultor Boaventura da Silva Filho (1932-92) – consagrou-se pela produção de santos católicos e orixás, imagens longilineas de grande impacto.
Como manda o costume, o ofício de Louco foi transnutido a seus fanuliares e discípulos, e hoje na cidade são produzidas peças sacras nos ateliês de Louco Filho, Doidão, Dory e Mimo.
Em Triunfo, Pernambuco, Chico Santeiro talha imagens de são Francisco, são Pedro, santo Antônio e Nossa Senhora, vestindo-os com roupas luxuosas.
Em Acari, no Rio Grande do Norte, Ambrósio Córdula também faz santos, presépios e anjos de madeira.
A religiosidade está presente também nos ex-votos, tradição que remonta ao século XVIII e que, infelizmente, parece em vias de extinção.
As antigas tábuas pintadas com cenas de curas milagrosas já não são produzidas; as imagens de madeira representando principalmente partes do corpo, esculpidas em agradecimento a alguma graça alcançada, sobrevivem, e ainda são encontradas nas chamadas “salas de milagres” de igrejas, santuários e centros de romarias.
Hoje, Aberaldo, da ilha do Ferro (Alagoas), dá nova dimensão aos ex-votos, colorindo-os e convertendo-os em peças de decoração.
O misticismo sertanejo se reflete igualmente nas famosas carrancas com que os barqueiros do rio São Francisco buscavam afastar os maus espíritos que pudessem ameaçar sua viagem.
Em Santa Maria das Vitórias, na Bahia, Francisco Biquiba dy Lafuente Guarani (1884-1987) esculpiu algumas das mais notáveis. Nos anos 1960, as carrancas tornaram-se febre na decoração de todo o país e passaram a ser produzidas em grande escala – perdendo parte da força das originais – nas cidades ao longo de todo o percurso do rio, sobretudo em Petrolina, Pernambuco.
A madeira é também matéria-prima de objetos de uso cotidiano, móveis e brinquedos. Na mesma Acari em que mestre Ambrósio produz seus santos, Manuel Jerônimo Filho constrói primorosos caminhões.
No Maranhão, Nhozinho (1904-74) transformava a madeira maleável do buriti em pequenos bonecos que reproduziam os personagens típicos do estado e figuras do bumba-meu-boi; seu trabalho pode ser conhecido em São Luís, no museu que leva seu nome.
Outras paineiras nordestinas oferecem matéria-prima para artesãos do sertão e da costa: com a fibra da carnaúba , moradores do delta do Parnaíba, no Piauí, fabricam cestas, objetos e enfeites; da palha do ouricuri, artesãos do litoral de Alagoas fazem. tapetes, bolsas e chapéus.
4. CERAMICA E BONECOS DE BARRO
A cerâmica é uma das formas de arte popular e de artesanato mais desenvolvidas no Brasil. Dividida entre cerâmica utilitária e figurativa, essa arte feita pelos índios misturou-se depois à tradição barrista europeia, e aos padrões africanos, e desenvolveu-se em regiões propícias à extração de sua matéria-prima – o barro.
Nas feiras e mercados do Nordeste, podem-se ver os bonecos de barro que reconstituem figuras típicas da região: cangaceiros, retirantes, vendedores, músicos e rendeiras. Os mais famosos são os do pernambucano Mestre Vitalino (1909-1963), que deixou dezenas de descendentes e discípulos.
A cerâmica figurativa destaca-se também nos estados do Pará, Ceará, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia, Espírito Santo, São Paulo e Santa Catarina. Nos demais estados, a cerâmica é mais do tipo utilitária (potes, panelas, vasos etc).
5. ARTE DAS GARRAFAS DE AREIAS COLORIDAS
Esta forma de arte é bastante difundida no Nordeste brasileiro, principalmente no Rio Grande do Norte e Ceará, berço de seu criador, onde diversos artesãos ganham seu sustento com a produção e venda dessas peças.
A confecção de gravuras em garrafas utilizando areias coloridas é também denominada de ciclogravura e surgiu, na década de 1950, na praia de Majorlândia, no Ceará, onde existia uma senhora de nome Joana Carneiro, que enchia garrafas com areias de diversas cores colhidas nos morros da região. E, ao enchê-las, dispunha as cores em formas circulares, com espaços em torno de dois centímetros para cada porção de areia colocada.
Certa vez, ela enchia um litro com as tais areias quando, momentos antes de concluir o trabalho, o litro virou. Como o recipiente ainda não estava completamente cheio, as areias se projetaram para o lado e, acidentalmente, formou-se um desenho que, aos olhos de um filho presente na ocasião, pareceu uma paisagem.
O filho dessa senhora se chamava Antônio Eduardo Carneiro que, tempos depois, ficaria conhecido como “Toinho da Areia Colorida” por sua habilidade em “desenhar com areias”. Foi o responsável pela criação das primeiras paisagens em garrafas utilizando areias coloridas.
Apesar da denominação de “garrafas de areias coloridas”, outros recipientes também são utilizados na sua confecção como: cálices, tulipas, bojos e vários outros tipos e formas de invólucros, desde que de vidro transparente e sem cor, para que as cores das areias sejam apreciadas com toda fidelidade.
A grande maioria das areias que são utilizadas nesse trabalho tem sua coloração feita pela natureza. Somente a cor verde e azul é produzida a partir da areia de cor branca, com adição de corantes. Os tons mais claros ou escuros são obtidos a partir da mistura das cores já existentes.
O preço das peças varia de acordo com o tamanho do recipiente, e também com a complexidade do desenho. Quanto mais elaborado, maior o seu preço. As peças menores custam em torno de R$ 10,00 por unidade. Quanto às maiores, podem chegar a custar até R$ 1.000,00, ou mais.
6. ARTESANATO DE MARAGOGIPINHO NA BAHIA
As peças produzidas em Maragojipinho têm altíssimo valor cultural e um grande potencial de crescimento e valorização. Cada vez mais a qualidade das peças aumenta na conquista de novos consumidores.
A maioria das peças feitas em Maragogipinho é inconfundível face ao acabamento com tauá, um engobe proveniente de argila, rico em óxido de ferro que dá uma coloração avermelhada às peças.
Outra característica local é desenhar com tabatinga, que é argila líquida de cor branca, muito abundante na região.
Em Maragogipinho são produzidas milhares de peças utilitárias e de decoração e o volume de produção chega a cerca de 18 mil peças por mês. Essas peças são distribuídas para vários estados brasileiros como São Paulo, Rio de janeiro, Goiás, Santa Catarina, Ceará, Paraná e Distrito Federal.
Os objetos que apresentam em suas formas, nítidas influências indígena, africana e portuguesa têm uma variedade de tamanho e formato muito grande. Podemos encontrar objetos que medem desde 2cm a mais de 1,50m de altura.
Os artesãos, homens e mulheres ainda utilizam as rudes ferramentas de séculos a trás, como o torno de madeira
movido a pé e o forno à lenha, e todos os meses modelam, decoram e queimam uma rica variedade de peças. São moringas, potes, talhas, porrões, bilhas, panelas, vasos, pratos, xícaras, tigelas, jarros, luminárias, esculturas sacras, objetos de decoração, dentre outros.
A excelência da cerâmica de Maragogipinho tem sido reconhecida.
Em 2004 a comunidade exportou um contêiner de peças para a Europa e duas de suas peças concorreram ao prêmio UNESCO de Artesanato para a América Latina e o Caribe.
O boi-bilha, peça que é uma junção da figura do boi nordestino com a bilha de origem portuguesa recebeu Menção Honrosa da ONU.
Em parcerias com empresas de exportação, mais de 40 mil peças já foram exportadas e circulam por países como Alemanha, Espanha e Itália.
Para divulgar seus produtos além de participar de feiras por todo o Brasil, a comunidade de Maragogipinho conta com a ajuda de órgãos como o SEBRAE e assim fazer grandes vendas. A mais recente foi para a loja Tok&Stok com a venda de mais de mil peças.
Isso impulsiona a comunidade já que a exigência na qualidade dos produtos para esse público é muito grande
7. ENTRE A TRADIÇÃO E O MERCADO
A arte popular, a um só tempo manifestação cultural e fonte de renda, transita entre a reprodução dos saberes tradicionais e a descoberta de novas técnicas e materiais.
No Nordeste, os ofícios transmitidos de geração a geração se adaptam às circunstâncias e às urgências da sobrevivência.
Em Acari, a sucata de automóveis se transforma em bonecos e brinquedos pelas mãos de Dimauri Lima de Souza.
A areia colorida que forma paisagens dentro de garrafinhas, suvenir típico do Ceará , é obtida atualmente graças ao uso de corantes industrializados – houve um tempo em. que se utilizavam apenas as areias de vários tons das dunas de Majorlândia, na costa leste da capital.
Em Santana do Cariri, no sertão do mesmo estado, a prefeitura estimula a confecção de réplicas de fósseis para evitar a venda predatória do patrimônio arqueológico do local.
A miríade de objetos que compõem o que se chama indistintamente de artesanato nordestino – panos, redes, miniaturas, brinquedos, desenhos, ex-votos, selas, couros, enfeites, utilitários- se recria a cada dia.
Arte Popular no Nordeste