Conventos e igrejas franciscanas no período colonial – Urbanismo – Arquitetura – Artes Plásticas

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É certo que a presença franciscana no Brasil se fez sentir desde os Descobrimentos, quando Frei Henrique de Coimbra, integrante da expedição de Cabral, celebrou a primeira missa, em 22 de Abril de 1500, logo que os viajantes aportaram na enseada a que deram o nome de Porto Seguro (1).

No entanto, foi somente no último quartel do século XVI que a Ordem dos Frades Menores de São Francisco se fixou de modo definitivo em solo colonial.

Em 1583, o terceiro donatário da capitania de Pernambuco, Jorge de Albuquerque Coelho, requereu junto ao Ministro Geral dos franciscanos em Portugal a criação da Custódia de Santo Antônio do Brasil, concedida em alvará régio de 12 de Outubro daquele ano e confirmação pontifícia.

Era época da união das Duas Coroas (1580-1640) e a católica Espanha de Felipe II havia interrompido o fluxo comercial entre Portugal e a Holanda calvinista, assentado produção açucareira do nordeste brasileiro. questões de monopólio econômico aliadas a questões religiosas ameaçavam esse território de uma possível invasão batava.

A fixação das ordens monásticas na colônia brasileira, iniciada em 1549, com os jesuítas, durante a implantação do Governo Geral, intensificou-se a partir de então (2).

Colégios, conventos e mosteiros significavam não apenas centros de escolaridade e catequese, mas de milícia religiosa, proteção territorial e desenvolvimento urbano.

A fundação do primeiro convento franciscano (Convento Franciscano de Olinda) ficou decidida em Olinda, vila-sede da capitania de Pernambuco, a mais próspera da colônia, devido à grande concentração de engenhos de açúcar em seu solo, superior numericamente a Salvador, capital da colônia.

Convento Franciscano de Olinda
Convento Franciscano de Olinda

Serviu de primeiro Custódio – o mais alto posto da hierarquia franciscana – Frei Melchior de Santa Catarina (3), que saiu de Portugal com oito religiosos em 1.º de Janeiro de 1585, aportando em Olinda em 12 de Abril. 

(1) Ao sul do atual Estado da Bahia.

(2) Os Carmelitas chegaram em 1585 e os Beneditinos em 1595.

(3) Natural de Rezende de Lamego. Custódio no Brasil de 1585 a 1588, voltou a Portugal, onde foi Definidor de sua Província.

A Custódia teve sua Casa Capitular sediada primeiramente na capela de Nossa Senhora das Neves e, a seguir, no convento, por eles construídos a partir da doação de recursos e terrenos feita por uma viúva chamada Maria Rosa, rica habitante local (4).

Ela tornou-se a primeira irmã da Ordem Terceira de São Francisco no Brasil (5), inaugurando a incontestável importância da participação das irmandades religiosas laicas junto às ordens monásticas, por sua representatividade social, econômica, política e cultural naquela sociedade.

Os Irmãos Terceiros promoviam a própria capela devocional, que situavam perpendicular à nave da igreja conventual.

Algumas vezes, anexo ao convento, eles mandavam construir até mesmo uma outra igreja, chamada Casa de Oração, e outras dependências (6).

Isto ocorria sobretudo nas cidades grandes, com participação dos habitantes “brancos e notáveis” que pertenciam àquela confraria.

Durante sessenta e cinco anos a Custódia de Santo Antônio do Brasil esteve subordinada à Província de Santo Antônio dos Currais, em Portugal.

Tornou-se independente em 1649, após autorização papal, e sua sede foi transferida para Salvador.

Em 1657, a Custódia foi elevada à categoria de Província.

Dois anos depois, na ocasião do seu primeiro Capítulo, foi criada a Custódia de Nossa Senhora da Conceição, que passou a abranger os conventos da área costeira do Sudeste (Espírito Santo, Rio de Janeiro e São Paulo), desmembrando-se dos do Nordeste (Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia).

A Custódia de Nossa Senhora da Conceição tornou-se Província em 1675 e, para sua sede, foi escolhido o Convento de Santo Antônio do Rio de Janeiro.

Atualmente ela está fixada em São Paulo.

Em dois séculos, foram construídos vinte e três conventos franciscanos no Brasil, dos quais restam ainda dezenove, sendo treze localizados na região nordeste (7).

(4) A viúva já vivia em recolhimento com outras mulheres, entre elas, D. Izabel. D. Cosma e D. Felippa de Albuquerque, filhas de Jerônimo de Albuquerque, cunhado de Duarte Coelho Pereira (o primeiro donatário de Pernambuco). Doou os terrenos em escritura lavrada a 27 de setembro daquele ano.

(5) Tomou o hábito de Irmã Terceira num oratório dedicado a São Roque, erguido por um frade franciscano antes da fundação do convento.(6) Portaria, claustro, sala de consistório, sacristia e biblioteca.

(7) Citados em ordem cronológica de construção: Convento de São Francisco, em Olinda – PE (fundado em 1585/reconstruído no ultimo terço do século XVII); Convento de São Francisco, em Salvador – BA, (fund. 1587/rec. 1686); Convento de Santo Antônio, em Igaraçu – PE (fund. 1588/rec. 1661); Convento de Santo Antônio, em João Pessoa (ant. Paraíba) – PB, (fund. 1589-90/rec. 1700-1710); Convento de São Francisco, em Vitória, ES (fund. 1590/1); Convento de Santo Antônio – RJ (fund. 1606-7/rec. meados do séc. XVIII); Convento de Santo Antônio do Recife (fund.1606/rec. 1654); Convento de Senhor Santo Cristo, em Ipojuca – PE (fund. 1606/rec. 1654); Convento de Santo Antônio, na Vila de São Francisco do Conde – BA (c. 2.ª metade do sec. XVII); Convento de São Francisco, em Serinhaém – PE (fund. 1630 / rec. 1654); Convento de Santo Antônio, em Santos, São Paulo (fund. em 1639); Convento de Santo Antônio, em Cairu – BA (const. 1650 ou 1654?); Convento de Nossa Senhora da Penha do Espírito Santo, no Espírito Santo (fund. 1650); Convento de Nossa Senhora da Conceição, em Itanhaém, São Paulo (1655); Convento de Santo Antonio de Paraguaçu ou Iguape, em Santiago do Iguape, Bahia (const. 1658/hoje em estado precário); Convento de São Cristóvão, em Sergipe (const. 1658 ou 1693?); Convento de Nossa Senhora dos Anjos, em Penedo, Alagoas (const. c. 1682 ou 1689); Convento de São Francisco, em Marechal Deodoro (ant. Alagoa), Alagoas (const. 1660 ou 1684); Convento de São Boaventura, em Itaboraí, no Rio de Janeiro (1660/hoje em ruínas); Convento do Bom Jesus da Coluna, no Rio de Janeiro (const. em 1705).

O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) acaba de propor a inscrição conjunta destes treze conventos na lista de Patrimônio da Humanidade da UNESCO.

O trabalho apresentado neste seminário mostra, em resumo, a pesquisa que coordenamos com este objetivo, na qual os monumentos foram estudados do ponto de vista da História da Arte e da Arquitetura e de sua inserção com o urbano.

Caracteristicas dos Conventos e igrejas franciscanas no período colonial

1. Urbanismo

Como a maioria das ordens religiosas no Brasil Colonial, os franciscanos situaram seus conventos e igrejas em elevações junto ao mar, enseada, lagoa ou foz de rio, impondo-os como elemento de destaque e ponto de referência na paisagem e população locais, quer por seu valor simbólico de representantes de uma Igreja a serviço de Portugal, mas também como elemento de proteção frente a eventuais ameaças de invasão estrangeira.

Contudo, o faziam para além dos limites urbanos, em busca de um maior contato com a natureza, que a Ordem privilegiava.

Na quase totalidade das vezes a fachada principal era direcionada para a urbe.

Assim, a igreja e a portaria conventual, espaços da sociabilidade, voltavam-se para o povoamento e a zona claustral, espaço de recolhimento dos religiosos, para a paisagem natural, garantida pelo curso d’água.

Mas a partir do momento em que eles se instalavam em determinado local, com suas igrejas precedidas de amplos adros, esta presença promovia a abertura de caminhos que levavam ao núcleo da povoação.

Na verdade, os adros funcionavam como um espaço de transição entre o meio sagrado e profano, no qual se realizavam festejos religiosos e populares, acentuando as características cenográficas dos conventos.

Na antiga cidade da Parahyba (atual capital João Pessoa), o Convento e Igreja de Santo Antônio (8) representa uma das mais complexas e belas edificações barrocas no Brasil.

Convento e Igreja de Santo Antônio e Casa de Oração e claustro da Ordem Terceira de São Francisco em João Pessoa
Convento e Igreja de Santo Antônio e Casa de Oração e claustro da Ordem Terceira de São Francisco em João Pessoa

Foi situado afastado da costa, mas acabou por se constituir no próprio centro urbano, a partir do adro transformado em Largo, que inclusive nomeou e de onde, até hoje, partem as procissões.

Atualmente o convento abriga o Museu de Arte Sacra da cidade e promove exposições de Arte Popular.

No atual Estado de Pernambuco os franciscanos construíram mais cinco estabelecimentos: em Igarassu, o Convento e Igreja de Santo Antônio (9) ficou situado junto ao mar e com a frente voltada para a urbe.

Convento e Igreja de Santo Antônio em Igarassu, Pernambuco
Convento e Igreja de Santo Antônio em Igarassu, Pernambuco

È, sem dúvida, o principal monumento histórico do município, hoje incorporado no litoral norte da região metropolitana do Recife.

No local do antigo noviciado, funciona o Museu Pinacoteca, que guarda um dos acervos mais representativos da época colonial.

Em Olinda, o conjunto arquitetônico formado pelo Convento de São Francisco, Igreja de Nossa Senhora das Neves e Capela da Ordem Terceira de São Roque (10) foi construído no topo de uma das sete colinas por onde se desenvolveu a antiga vila-sede da capitania pernambucana.

(8) Arquivo Noronha Santos /IPHAN: João Pessoa – PB: Convento e Igreja de Santo Antônio. Localizaação Topográfica: AA01/M025/P05/Cx.0290/P.1141. N.º do processo: 0063-T-38.

(9) Arquivo Noronha Santos /IPHAN: Igarassu – PE: Convento e Igreja de Santo Antônio. Localização Topográfica: AA01.

(10) Arquivo Noronha Santos/IPHAN: Olinda – PE: Convento e Igreja de Santo Antônio (ou de São Francisco). Localização Topográfica: AA01/M026/P02/Cx.0312/P.1219. N.º do processo: 0003-T-38.

O edifício teve a fachada direcionada para a urbe e seu caminho virou uma ladeira paralela à orla que conduz ao Convento do Carmo, ao Mosteiro de São Bento, interliga-se à Sé e ao antigo Colégio dos Jesuítas.

O centro histórico que esses monumentos formaram é de tal de nomeada, que em 1982 foi designado Patrimônio da Humanidade pela UNESCO.

No Recife, capital de Pernambuco desde 1838, por prosperidade mercantil em face à decadência da aristocracia rural de Olinda – o complexo edificativo franciscano é formado pelo Convento e Igreja de Santo Antônio, e por outras dependências anexas, que pertencem à Ordem Terceira de São Francisco das Chagas (11).

Convento e Igreja de Santo Antônio em Recife
Convento e Igreja de Santo Antônio em Recife

Nestas, destaca-se a capela padroeira (conhecida como Capela Dourada por sua beleza e exuberância barrocas) e a Casa de Oração.

O conjunto está situado num sítio con-siderado privilegiado e de grande importância na história pernambucana – um largo na junção dos rios Capiberibe e Beberibe, onde Maurício de Nassau havia construído o seu Palácio Friburg, durante a ocupação holandesa.

Pela nobreza dessa localização, no período imperial o adro da igreja conventual virou a praça mais importante da cidade, onde inclusive foi construído o Palácio do Campo das Princesas como sede do governo da antiga província.

Palácio do Campo das Princesas em Recife
Palácio do Campo das Princesas em Recife

Veja a História e Arquitetura do Palácio do Campo das Princesas em Recife PE 

No convento e na praça até hoje é comemorada uma festa em louvor a São Francisco, com procissão, missa, novena e quermesse, que se constitui num enorme atrativo popular.

Contíguo à Capela Dourada está o Museu Franciscano de Arte Sacra, que abriga um dos mais preciosos acervos artísticos do Brasil.

Interior da Capela Dourada em Recife
Interior da Capela Dourada em Recife

No município de Ipojuca, situou-se, em área elevada às margens do rio do mesmo nome, o Convento e Igreja de Santo Antônio (ou de São Francisco) (12).

Por ocasião de sua festa anual, em 1.º de Janeiro, um grande número de romeiros é atraído à igreja para a veneração da imagem padroeira. Além das celebrações litúrgicas, seu adro serve de palco a atrações populares.

A exemplo de Ipojuca, o Convento e Igreja de Santo Antônio, em Sirinhaém (13) localizou-se às margens do rio de mesmo nome e no ponto mais alto da urbe.

Convento e Igreja de Santo Antônio em Sirinhaém
Convento e Igreja de Santo Antônio em Sirinhaém

Trata-se de um dos principais monumentos históricos da cidade, considerada uma das mais ricas em tradições no estado.

Como em Olinda, o convento franciscano inseriu-se dentro de uma articulação urbana à moda medieval portuguesa, aspecto que se con-servou intacto até os finais do século XX, delimitado por paliçadas, fossos e barreiras naturais e que, infelizmente, vem sendo degradado pela ocupação desordenada do seu entorno.

Seu frontispício desmoronou em 1883, sendo mais tarde reconstruído com diversas descaracterizações.

O Estado de Alagoas possui dois estabelecimentos franciscanos. O primeiro é o Convento e Igreja de São Francisco (ou Santa Maria Madalena) (14), no atual município de Marechal Deodoro, edificado às margens da Lagoa Manguaba, um entreposto de pesca, que sustenta economicamente boa parcela da população local.

Convento e Igreja de São Francisco em Marechal Deodoro
Convento e Igreja de São Francisco em Marechal Deodoro

(11) Arquivo Noronha Santos/IPHAN: Recife – PE: Convento e Igreja de Santo Antônio. Localização Topográfica: AA01/M021/P01/Cx.0005/P.0024. N.º do processo: 0310-T-41.(12) Arquivo Noronha Santos/IPHAN: Ipojuca – PE: Convento e Igreja de Santo Antônio (ou de São Francisco). Localização Topográfica: AA01/M026/P02/Cx.0312/P.1219. N.º do processo: 0003-T-38.(13) Arquivo Noronha Santos/IPHAN: Sirinhaém – PE: Convento e Igreja de São Francisco. Localização Topográfica: AA01/M027/P01/Cx.0365/P.1402/03. N.º do processo: 0145-T-38.(14) Arquivo Noronha Santos/IPHAN: Marechal Deodoro – AL: Convento e Igreja de São Francisco. Localização Topográfica: AA01/M021/P01/Cx.0004/P.0018. N.º do processo: 0426-T-50.

O monumento (atualmente museu) e seu entorno são um importante centro de atração turística, utilidade pública e ecologia.

Em seu terreno foram construídos o Educandário São José e uma das unidades do Centro Federal de Educação Tecnológica (CEFET).

O segundo é o conjunto Convento de São Francisco e Igreja de Nossa Senhora dos Anjos (15), no município Penedo, construído no alto de uma escarpa que desce para o rio São Francisco.

Convento de São Francisco e Igreja de Nossa Senhora dos Anjos em Penedo AL
Convento de São Francisco e Igreja de Nossa Senhora dos Anjos em Penedo AL

O adro, hoje transformado em praça, forma com outras construções históricas da cidade um conjunto de grande expressão urbana.

Centro de convergência das atividades sócio-culturais, em torno dele encontram-se o Paço Imperial (que abrigou D. Pedro II, em sua visita à cidade) e a Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas.

Em Sergipe, na atual cidade de São Cristóvão, antiga vila de São Francisco, que já foi capital do estado, destaca-se o Convento de São Francisco com sua Igreja do Bom Jesus (16).

Convento de São Francisco em São Cristóvão SE
Convento de São Francisco em São Cristóvão SE

O conjunto foi erguido na parte alta da cidade, que está localizada junto à foz do Rio Sergipe e constitui uma das máximas referências da religiosidade popular.

O antigo adro da igreja, atual Praça de São Francisco, congrega uma enorme multidão nas festas de Senhor dos Passos, como clímax do encontro das procissões saídas das igrejas da Ordem Terceira do Carmo e da Matriz.

Os quatro últimos conventos franciscanos remanescentes do nordeste brasileiro localizam-se no Estado da Bahia.

Na capital Salvador, o complexo arquitetônico formado pelo Convento e Igreja de São Francisco e Igreja da Ordem Terceira de São Francisco da Penitência (17) foi construído na parte alta da cidade, no largo a que deu o nome.

Convento e Igreja de São Francisco em Salvador BA
Convento e Igreja de São Francisco em Salvador BA
Igreja da Ordem Terceira de São Francisco da Penitência em Salvador BA
Igreja da Ordem Terceira de São Francisco da Penitência em Salvador BA

Por meio de uma ampla via, o monumento une-se ao Terreiro de Jesus e à Sé Primaz do Brasil (antiga igreja do Colégio dos Jesuítas) e, com estes constitui uma área de grande interesse cultural, religioso e cívico do centro da cidade, onde acontecem as principais manifestações de tradições populares.

O Convento e Igreja de Santo Antônio, na Vila de São Francisco do Conde (18), situam-se na foz do rio Sergimirim, que deságua na baía de Todos os Santos.

Convento e Igreja de Santo Antônio na Vila de São Francisco do Conde BA
Convento e Igreja de Santo Antônio na Vila de São Francisco do Conde BA

Esse monumento é uma das principais atrações turísticas da região do recôncavo, para onde convergem a população local e dos municípios vizinhos, como Santo Amaro, Candeias e, até mesmo, Salvador.

O Convento e Igreja de Santo Antônio, em Paraguaçu (19) foi construído às margens da foz do rio de mesmo nome, que também deságua no Recôncavo baiano.

Convento e Igreja de Santo Antônio em Paraguaçu BA
Convento e Igreja de Santo Antônio em Paraguaçu BA

Apesar de o edifício estar bastante danificado – as obras de restauração estão paralisadas desde 2004 – o conjunto forma, simultaneamente, um patrimônio natural e cultural.  

(15) Arquivo Noronha Santos/IPHAN: Penedo – AL: Convento de São Francisco e Igreja de Santa Maria dos Anjos. Localização Topográfica: AA01/M021/P01/Cx.0005/P.0024. N.º do processo: 0310-T-41.

(16) Arquivo Noronha Santos /IPHAN: São Cristóvão – SE: Convento de São Francisco e Igreja do Bom Jesus. Localização Topográfica: AA01/M033/P06/Cx.0777/P.2898. N.º do processo: 0303-T-41.

(17) Arquivo Noronha Santos /IPHAN: Salvador – BA: Convento e Igreja de São Francisco. Localização Topográfica: AA01/M021/P06/Cx.0059/P.0251. N.º do processo: 0086-T-38.

(18) Arquivo Noronha Santos /IPHAN: São Francisco do Conde – BA: Convento e Igreja de Santo Antônio dos Anjos. Localização Topográfica: AA01/M022/P02/Cx.0080/P.0357. N.º do processo: 0257-T-41

(19) Arquivo Noronha Santos /IPHAN: Cachoeira – BA: Convento e Igreja de Santo Antônio. Localização Topográfica: AA01/M021/P02/Cx.0019/P.0074. N. do processo: 280-T.

Por ser uma construção monumental isolada na deslumbrante paisagem da foz do rio, ele é testemunho da valorização da idéia de contemplação, tão cara ao pensamento franciscano.

O estado de abandono em que se encontram o monumento e seu sítio arqueológico demanda uma urgente atitude dos órgãos competentes, para que se impeça sua total destruição.

E o Convento e Igreja de Santo Antônio, em Cairú (20), encontra-se sobre uma colina, dominando a paisagem da ilha do mesmo nome.

Convento e Igreja de Santo Antônio em Cairú BA
Convento e Igreja de Santo Antônio em Cairú BA

Seu adro é, até hoje, palco das mais importantes festas religiosas locais – a de Nossa Senhora da Conceição e a de São Benedito – para onde aflui grande contingente de fiéis e turistas.

2. Arquitetura (21)

O primeiro ciclo construtivo franciscano no Brasil caracterizou-se por edifícios pobres, conforme o que inicialmente era defendido pela Ordem, mas suas igrejas primitivas já possuíam torre e eram sempre precedidas de um alpendre, devido às condições climáticas da colônia (22), como mostra a pintura da época da invasão holandesa, “Igaraçu”, de Frans Post (23).

Frans Post - A Igreja dos Santos Cosme e Damião e o Mosteiro Franciscano de Igaraçu, Brasil - 1660.
Frans Post – A Igreja dos Santos Cosme e Damião e o Mosteiro Franciscano de Igaraçu, Brasil – 1660.

O segundo ciclo pode-se dizer que foi o de esplendor da arquitetura conventual franciscana do nordeste, período que se inicia a partir da expulsão dos holandeses do Nordeste, em 1654 e segue até meados do século XVIII.

Este ciclo corresponde ao período de grande expansão e enriquecimento das ordens religiosas monásticas no território colonial, acompanhando o movimento da Coroa de Portugal que, desde a libertação dos oitenta anos de dominação espanhola, em 1640, investia cada vez mais no Brasil, elevando-o inclusive à condição de vice-reino de Portugal e dos Algarves.

Os conventos franciscanos passam a ter dois andares, ainda que a distribuição dos cômodos seguisse a orientação anterior: início a partir do claustro, o epicentro do edifício – um pátio quadrangular, cercado por galerias abertas, com jardim e fonte central, como a simbolizar um sentido edênico e místico da existência, segundo o pensamento franciscano.

Dentro desse espírito, as construções que o margeam representam, em cada lado, uma dimensão específica da vida humana: a social, a animal, a intelectual e a espiritual.

A dimensão social inclui a Portaria, o Parlatório e a Sala Capitular e Consistório. Os dois primeiros, situados junto à área da igreja, abrem-se para o claustro, para servir de encontro entre as comunidades laica e religiosa. Por esse motivo, demandam um aparato decorativo (24).

(20) Arquivo Noronha Santos /IPHAN: Cairu – BA: Convento e Igreja de Santo Antônio. Localização Topográfica: AA01/M021/P03/Cx.0013/P.0089. N. do processo: 0258-T-41.21BAZIN, 1983: 136-194.

(22) Frei Francisco dos Santos teria sido o autor do risco do primeiro convento e igreja de Olinda e igualmente do convento e igreja de Santo Antônio, em João Pessoa, na Paraíba, em 1590. Viveu muitos anos, participando da ordem desde suas origens na colônia até a construção dos conventos de Ipojuca e Serinhaém.

(23) Século XVII – Shlesisches Museum, Breslau.(24) Altar, pintura no forro e silhares de azulejaria.

Os outros são locais de assembléias e reuniões solenes da comunidade conventual e, como tal, também exigem decoração refinada (25).

Da dimensão animal fazem parte o Refeitório; a Cozinha, os Serviços e as Celas, estas últimas localizadas no pavimento superior e servida por galerias abertas, acima das do pátio.

A dimensão intelectual é composta pelas Salas de Estudo e Oficinas e, sobretudo, pela Biblioteca, cômodo distinguido por uma portada elaborada, ricas estantes e decoração pictórica no teto.

No andar superior há sempre um Mirante, espaço contemplativo da natureza por excelência.

O lado da dimensão espiritual corresponde à área da Igreja e Sacristia. A igreja era sempre iniciada pela capela-mor, depois vinha a nave e o frontispício era a preocupação final.

No segundo ciclo construtivo, este correspondeu, como um todo, aos princípios de uma arquitetura monumental, de traçado mais erudito e função barroca, como enfatiza o historiador Alberto José de Souza, “em razão do seu caráter cenográfico, da agitação de seus contornos, de sua dramaticidade, do papel que a decoração nela desempenha. (…) Traçado que teve início na igreja do convento de Cairu, autoria do arquiteto português Frei Daniel de São Francisco”(26), “responsável também pelo o da igreja de Paraguaçu”(27).

As secções verticais e horizontais dos dois pavimentos são marcadas por pilares e arquitraves executados em pedra. No andar superior, um frontão triangular é substituído por um de perfil movimentado – amparado por duas aletas com volutas e rematado em pináculos – um recurso decorativo utilizado desde o Maneirismo para esconder uma empena de duas águas.

No andar inferior, o alpendre dá lugar a uma galilé com arcadas iguais e em volta perfeita, integradas à volumetria do edifício.

Frei Jaboatão observa semelhanças nos conventos do Recife e de Ipojuca, segundo ele, ambos teriam sido traçados pelo Mestre Gonsalves Olinda (28).

A maioria dos frontispícios possui uma só torre, recuada em relação à fachada.

À exceção dos das igrejas de Salvador e São Francisco do Conde, ambos com duas torres dispostas no mesmo plano do corpo central, seguindo, como a igreja jesuíta do Colégio de Salvador, a tipologia das fachadas eruditas do Maneirismo tardio, em Portugal (29)

Em algumas, o remate das torres evoluiu da forma piramidal, ainda do século XVII, para a bulbosa, característica já de meados do XVIII (30), quando foram concluídas. Internamente as igrejas franciscanas seguiram o padrão jesuíta que veio para o Brasil: planta em nave única, transepto inserido no perímetro de base e capela-mor estreita e não muito profunda.

(25) Altar em talha dourada, forros com pinturas figurativas, azulejos e bancos de pedra.

(26) Nascido em Penafiel, c.1605 ou 1615 – Morto em Recife, 1692. Veio para o Brasil ainda jovem, fixou-se em Pernambuco onde se tornou frade, no Convento de Olinda. Com a ocupação holandesa em 1630 mudou-se para Bahia, onde ensinou Filosofia e Teologia no convento franciscano de Salvador, onde ocupou os cargos de superior e foi custodio. Por suas qualidades, em 1640 foi escolhido para negociar a separação dos conventos franciscanos brasileiros da Província de Portugal, que foi autorizada pelo papa em 1647, dando origem à criação da primeira Província Franciscana do Brasil, em 1657. Fez também o traçado da igreja do convento de Santo Antonio de Paraguaçu, no Recôncavo Baiano. Ver Souza, 2004: 40.

(27) Cairu, iniciada em 1654, é considerada a igreja que teve “o primeiro alçado de concepção erudita erguido no Brasil que não seguiu nenhum modelo português” (…) “uma escola compositiva que durou mais de um século e que, com meia dúzia de edifícios marcantes, constituiu um dos pontos culminantes dessa arquitetura”. Ver Souza, 2004: 40-41.

(28) Jaboatam, 1858, Vol. II, n.o 480: 477.

(29) Iniciado com Felipe Terzi na igreja agostinha de São Vicente de Fora.(30) Igrejas de João Pessoa, Recife e Marechal Deodoro.

Nesta fica localizado o retábulo principal e, mais outros dois, co-laterais ao arco-cruzeiro.

Transversal à nave fica a capela da Ordem Terceira, de um modo geral ricamente decorada.

Dois corredores margeiam a capela-mor; o do lado do Evangelho leva o nome de via-crucis, pois contém, ao nível do chão ou no andar superior, uma representação pictórica ou escultórica dos Passos da Paixão de Cristo.

Eles levam a uma grande Sacristia,localizada atrás da igreja, na maioria das vezes colocada transversalmente de forma a ocupar toda largura da nave.

De forte carga simbólica, por abrigar paramentos sacerdotais e objetos de culto, a sacristia contém um ou dois retábulos em talha dourada, forro com pinturas sacras, grandes armários e arcazes, executados em madeira entalhada.

Em espaço anexo, serve-a sempre um lavabo monumental, esculpido em pedra. No fundo da nave da igreja fica o Coro, guardado por um rico parapeito acima do nártex e em acesso direto pela galeria do sobre-claustro. Possui órgão e cadeiral, uma vez que o canto e a música são prioridades do ritual litúrgico franciscano.

Nos conventos havia sempre uma Cerca, que delimitava o terreno nos fundos. Era uma área de grandes dimensões, destinada ao cultivo de pomar e horta, ao abastecimento de água e, ainda e ao lazer, isolamento, meditação, oração e atividades físicas dos religiosos.

3. Artes Plásticas

Estão principalmente representadas pela riqueza do interior das igrejas e sacristias, feitas para impressionar.

O acervo artístico franciscano do nordeste brasileiro compõe-se de talha dourada, imaginária (em madeira ou terracota), pintura de forro (em caixotão ou ilusionistas), quadros, azulejaria, alfaias e cadeirais.

3.1 Talha

Foi principalmente pela talha, notadamente, através dos retábulos, que os interiores dessas igrejas adquiriram grande parte do seu vigor expressivo de espaço sagrado, constituindo-se em um elemento indispensável e principal adorno. Sabemos que a escultura foi sempre reconhecida como uma das mais legítimas manifestações plásticas da arte lusa e brasileira, cuja potencialidade visual a pintura só logrou alcançar no século XVIII (31).

3.1.1. O Primeiro Ciclo Decorativo

Os mais antigos retábulos franciscanos do nordeste brasileiro certamente corres-ponderam aos desenvolvidos na fase final maneirista ou de transição para o barroco em Portugal (32).

Foram os construídos nos primeiros decênios do século XVII para as capelas primitivas da Ordem. Desses retábulos maneiristas, infelizmente, só restam alguns fragmentos, como a base de uma coluna na igreja do convento paraibano.

(31) CARVALHO, 1999: 55 e 58.

(32) SMITH,1962: 64

3.1.2 O Segundo Ciclo Decorativo

Este ciclo insere-se na primeira fase do Barroco em Portugal, período que na Metrópole abrange de meados do século XVII ao primeiro decênio do XVIII, e que no Brasil se estende por cerca de mais vinte anos.

Corresponde aos inícios do ciclo do ouro. Participam desse momento: a talha da Capela Dourada da Ordem Terceira, no Recife; o retábulo da capela-mor e alguns colaterais da igreja do Convento de São Francisco, em Salvador; os retábulos da capela-mor e laterais da igreja do Convento de São Francisco, em Marechal Deodoro, e os retábulos do altar-mor e laterais, da Capela dos Terceiros de São Francisco, em João Pessoa (33).

A talha recebe um intenso douramento, “cor por excelência ligada a Deus, a sua profusão, ainda que buscando uma manifestação de majestade e magnificência, deverá antes de tudo ser entendida como um dos processos mais convincentes para a atração sensitiva do crente” (34).

Desenvolve formas opulentas que, em muitos casos, se estendem como uma vegetação pelas paredes e molduras dos tetos em caixotão, onde prioritariamente a pintura se atém.

A estrutura retabular é dinâmica e cenográfica, articulada em um só corpo sustentado por colunas espiraladas, movimento que se prolonga no frontão em arquivoltas concêntricas e circunscreve um grande camarim central, destinado a conter, em majestade, a imagem devocional do altar.

O fecho do frontão, em geral, é arrematado com o emblema da Ordem de São Francisco. Os motivos ornamentais referem à iconografia cristã, num vocabulário naturalista predominantemente fitomorfo, como a folha de acanto (símbolo do heroísmo) e a parra (vinho eucarístico), das quais emergem figurinhas angélicas (mensageiros do amor divino) e o pássaro pelicano (sangue de Cristo) (35).

3.1.3 O Terceiro Ciclo Decorativo

No período de D. João V (1707-1750), apogeu da monarquia absoluta, quando “Portugal era o ouro do Brasil” (36), predominou na decoração em talha das igrejas lusas e brasileiras o gosto barroco de importação romana (37), proveniente da oficina do Palácio de Mafra, que estava sendo construído, e no qual colaboraram artistas italianos, sob a direção do germano italianizado Ludovice.

Dessa fase chamam atenção os retábulos laterais da igreja conventual de Igarassu; o da Sala do Capítulo do convento de Olinda; o retábulo-mor da Igreja de Nossa Senhora dos Anjos, em Penedo (AL); os retábulos laterais ao arco do cruzeiro (1741-1743) da igreja conventual de São Francisco, em Salvador (BA); os retábulos mor e laterais da Capela dos Terceiros, em João Pessoa.

A estrutura da composição acentua o caráter arquitetônico, o dinâmismo, o tratamento cenográfico e introduz a grande estatuária, à imitação dos monumentos romanos.

(33) Dentre eles, a Capela Dourada do Recife e a Igreja de São Francisco, em Salvador, destacam-se como dois dos mais magníficos exemplos de decoração em talha e de retábulos que há em todo o Brasil.

(34) FERREIRA-ALVES, 1989: 183.35SMITH, 1962: 69-72.(36)FRANçA, 1965: 160.

(37) Notadamente sob a influência de Bernini. Ver SMITH, 1962: 95-96.

O coroamento, diferentemente do estilo antecessor, apresenta um perfil quebrado e aberto, e sua decoração é totalmente independente da idéia de prolongamento do movimento dos suportes.

3.1.4. O Quarto Ciclo Decorativo

Corresponde ao período Rococó, que na decoração em talha se caracteriza por um traçado precioso e requintado, utilizando-se de volutas em movimentos de curvas, contra-curvas, de conchoides retorcidos e esgarçados (as chamadas rocailles), de estilizações fitomorfas e florais (palmas e plumas) e de elementos considerados ‘exóticos’, tais como chinesices, indianismos e africanismos.

O que mostra uma arte que se apropria de outros valores artísticos que não só os da cultura ocidental e que enfatizava os refinamentos e as sensações óticas de superfície, realçadas através do douramento do relevo sobre um fundo claro.

Na decoração das igrejas, a escolha iconográfica mostra a intenção em combinar símbolos sacros com ornamentos profanos.

A maioria das decorações em talha dos templos franciscanos nordestinos de meados do século XVIII às duas primeiras décadas do século XIX utilizou o Rococó, mas não em sua “pureza”, como de resto em toda a arte colonial do período (38).

Nele conviveram com elementos ornamentais barrocos e neoclássicos, como mostram os retábulos da igreja de Nossa Senhora das Neves e da Capela de São Roque, em Olinda, o retábulo mor da igreja de Santo Antônio, no Recife e o retábulo principal da igreja de Santo Antônio, em Igarassu, os exemplares significativos do período.

Essa talha, mais leve e delicada, denuncia o esgotamento do ciclo do ouro e a inserção numa arte que busca sua expressão na requintada decoração dos palacetes cortesãos europeus da época (39).

3.2 Imaginária – invocações principais

Dentre as imagens que compõe o acervo franciscanos nordestino sobressaem as de Cristo Crucificado; as de devoção mariana – Nossa Senhora da Conceição (a mais freqüente), das Dores, Piedade e Rosário e, como não podia deixar de ser, a do fundador da Ordem, São Francisco de Assis (na forma mais freqüente da Visão do Monte Alverne e das Chagas), e a de Santo Antônio, o grande divulgador da doutrina franciscana e padroeiro de Lisboa.

Também estão entronizadas em altares franciscanos as imagens de Sant’Ana Mestra, São José, São Luís de França, São Roque, São Benedito, São Cosme e Damião, Santa Rosa de Viterbo, Santa Isabel de Hungria, Santa Isabel de Portugal. quer sob a forma contida e hierática do Maneirismo, dramaticamente expandida, do Barroco, ou refinada, do Rococó, todas essas imagens são de grande efeito doutrinário, quer pela força que emanam na representação do sofrimento, da pureza, do exemplo de vida virtuosa, de pobreza e, muitas vezes de martírio, uma santificação promovida pela Igreja Católica, através da Contra Reforma, como um caminho pelo qual o fiel poderia estabelecer um elo com o Divino.

(38) CARVALHO, 1989: 62-64.

(39) SMITH, 1962: 129.

3.3 Pintura

Se nas primeiras décadas dos tempos coloniais a pintura não gozou do mesmo prestígio que arquitetura e a escultura, ela veio a se afirmar como expressão visual notadamente no século XVIII, período áureo da produção barroca nessas terras, em quadros isolados, em painéis parietais e de forma monumental, em forros de tetos.

O gênero pictórico que melhor expressou a temática religiosa colonial foi o realizado nos forros das igrejas, em caixotões ou em perspectivas ilusionistas.

Na pintura de forros em caixotões figuram os painéis figurativos da vida de santos, emoldurados por um trabalho escultórico que se relaciona ao da talha.

Seu período de maior produção deu-se no início de Setecentos.

Embora constituam obras de menor erudição, se comparadas às pinturas ilusionistas – pois apresentam recursos perspécticos pouco desenvolvidos e uma paleta simplificada – foram eficazes em sua finalidade catequética, possibilitando múltiplas oportunidades de ilustração aos ensinamentos dirigidos à congregação, bem como a identificação da mesma com as cenas retratadas.

E resultaram belos efeitos estéticos, quando bem conjugados à talha.

O conjunto de construções franciscanas do nordeste brasileiro mostra importantes exemplos desses dois tipos de pintura. Dentre as pinturas em caixotão destacamos: em Marechal Deodoro (AL), o forro da capela-mor da Igreja de São Francisco; em Cairu (BA), o forro da provável sala do Capítulo do Convento de Santo Antônio; em Salvador (BA), os forros da nave, da sacristia e da sala do Capítulo da Igreja e Convento de São Francisco; em São Francisco do Conde (BA), osforros da sacristia e inferior do coro da Igreja de Santo Antônio; em João Pessoa (PB), os forros da capela-mor e da capela da Ordem Terceira da Igreja de Santo Antônio; em Igarassu (PE),os forros da galilé e do subcoro da Igreja de Santo Antônio; em Olinda (PE), os forros da nave, da sacristia, da sala do capítulo, da capela da Ordem Terceira e sua respectiva capela-mor da Igreja e Convento de Nossa Senhora das Neves; em Recife (PE), oforro da capela da Ordem Terceira de São Francisco das Chagas (Capela Dourada).

Por outro lado, a pintura ilusionista perspectivada garantiu certa autonomia à arte pictórica, conferindo-lhe um espetáculo à parte dentro das igrejas. Esta técnica, desenvolvida pelo jesuíta Andrea Pozzo, em seu tratado Perspectiva Pictorum et Architectorum, de 1693-1700, cria efeitos de um contínuo espacial no qual o real se funde no irreal.

O trompe-l’oeil promove a sensação de alongamento do espaço arquitetônico e a de rasgamento do suporte, com abertura a uma atmosfera celestial para representar a ascensão de santos, anjos e outras figuras divinas.

Em Portugal esta técnica chegou em 1710, introduzida pelo italiano Vicenzo Bacarelli no teto da sacristia da igreja lisboeta de São Vicente de Fora.

Mas aí sempre conviveu com o quadro recolocado no painel central, como parte integrante da pintura de tetos em perspectiva, fenômeno também presente no Brasil colonial.

O que impede o avançar das arquiteturas ilusórias pintadas, sem fuga para o infinito, onde ainda se coloca a questão do espaço compartimentado.

O que não significava uma imperícia do pintor, como bem aponta o historiador Magno Morais Mello, mas resulta de “uma experiência cultural e artística, de linguagem e gosto tradicionais, proveniente das cartelas do século XVII, que visava comunicar direta e frontalmente e acentuar o espaço de finitude, humanista” (40).

A pintura ilusionista veio a se manifestar em igrejas franciscanas do nordeste já no avançado da segunda metade do século XVIII. Participam desse gênero diversas obras (41), sendo que alguns artistas desse período tiveram sua obra devidamente registrada ou identificada.

Citamos: José Pinhão de Matos, pintor português ativo no Recife e em Salvador na primeira metade do século XVIII, do qual se sabe que teve pinturas na capela Dourada e na igreja da franciscana dos Terceiros, em Salvador (42).

José Rabello Vasconcellos, pintor ativo em Pernambuco na primeira metade do século XVIII e ainda não devidamente estudado. Realizou, assinou e datou (1749) a pintura monumental do forro da nave da Igreja do Convento de Santo Antônio de Igarassu (43).

Domingos da Costa Filgueira, pintor de domínio satisfatório sobre a técnica de pintura em perspectiva atuante na Bahia da segunda metade do século XVIII, que também realizou obras para essa igreja, como a do forro do primeiro pavimento, desaparecida, e quadros no teto apainelado da secretaria, que ainda subsistem.

José Joaquim da Rocha (1737-1807), baiano, o maior expoente da pintura nordestina, no período colonial.

Entre 1766 e 1769, o pintor encontrava-se na Paraíba, onde realizou a pintura ilusionista “A Glorificação dos Santos Franciscanos” no forro da nave da igreja do Convento de Santo Antônio.

Tal realização significou sua ascensão ao grau de mestre, forma como passou a se apresentar a partir de seu retorno à Bahia.

O historiador Carlos Ott atribuiu-lhe diversos outros painéis, dentre os quais o painel ilusionista do forro da portaria do Convento de São Francisco de Salvador, realizado pouco depois da obra paraibana, porém de características e iconografia em muito semelhantes (44).

José Teófilo de Jesus, discípulo preferido de José Joaquim da Rocha, com período de formação em Portugal, executou, entre 1802 e 1845, diversos painéis e quadros para a Igreja dos Terceiros franciscanos de Salvador (45).

Antônio Joaquim Franco Velasco (1780-1833), outro discípulo de José Joaquim da Rocha. Pouco antes de sua morte, deu início à pintura do teto da nave da Igreja da Ordem Terceira de São Francisco da Penitência de Salvador.

(40) MELLO, 1998: 15-18.

(41) Os forros da nave e inferior do coro da Igreja e Convento de São Francisco, em Marechal Deodoro (AL); forros da nave, da capela-mor e da capela-mor da Ordem Terceira da Igreja e Convento de Nossa Senhora dos Anjos, em Penedo (AL); forros da nave, da sacristia e da parte inferior do coro da Igreja e Convento de Santo Antônio, em Cairu (BA); forros da portaria e da capela lateral do Sagrado Coração de Jesus da Igreja e Convento de São Francisco, em Salvador (BA); forro da nave da Igreja de Santo Antônio, em São Francisco do Conde (BA); forros da nave, da sacristia e do coro da Casa das Orações dos Terceiros da Igreja e Convento de Santo Antônio, em João Pessoa (PB); forros da nave e da sacristia da Igreja e Convento de Santo Antônio, em Igaraçu (PE); forro da nave da Igreja de Santo Antônio, em Ipojuca (PE); forros da portaria e inferior do coro da Igreja e Convento de Nossa Senhora das Neves, em Olinda (PE); forro do corredor da via sacra da Igreja e Convento de Santo Antônio, em Serinhaém (PE); forro da Capela da Ordem Terceira da Igreja e Convento de São Francisco, em São Cristóvão (SE).

(42) SERRãO, 2000: 283.

(43) Igreja de Santo António de Igarassu – Conservação e Restauro, 2000: 39-44.

(44) Os painéis que adornam os arcazes das sacristias dos conventos franciscanos de Igaraçú, São Francisco do Conde e Cairú. Ver Ott, 1982: 10-67.

(45) Em 1845, pintou outros quadros para a mesma igreja, a saber, “São Francisco”, “São Domingos”, “Santa Isabel de Portugal”, “São Luís, rei da França”, “Santa Isabel da Hungria” e “São Luís”.Carlos Ott informa que os quadros pintados em 1845 foram destinados a altares. Foram, no entanto, posteriormente substituídos por imagens de santos e guardados num depósito da Ordem. Ver OTT, 1982: 104, 114.

Libório Lazaro Lial, responsável pela pintura de intenção ilusionista do forro da Igreja do Convento de Nossa Senhora dos Anjos de Penedo, devidamente assinada e datada (1784).

Veríssimo de Souza Freitas, pintor que deu continuidade àquela obra iniciada por Velasco.

A ele coube a pintura ilusionista do teto da nave da Igreja do Convento de São Francisco do Conde, claramente inspirada na pintura que José Joaquim da Rocha havia feito na Igreja da Ordem Terceira de São Domingos, em Salvador. José Eloy, pintor de atuação em Pernambuco no final do século XVIII e no princípio do XIX.

É o autor da pintura assinada e datada (1807) do forro inferior do coro da Igreja de São Francisco de Marechal Deodoro.

3.4. Azulejaria

A grande maioria da arte da azulejaria portuguesa no Brasil Colonial encontra-se em conventos e confrarias religiosas.

Seus painéis abrangem os diferentes ciclos produtores, dos de repetição aos figurativos, avulsos ou narrativos.

E, como não podia deixar de ser, estes últimos privilegiam as temáticas vinculadas a cenas bíblicas e hagiográficas, sejam da época barroca dos Grandes Mestres (1700-1720) e das Grandes Oficinas Anônimas até meados do século XVIII, ou partir da criação da Fábrica Real de Cerâmica do Rato, em 176746, o que propiciou a produção em grande escala.

Mais raras são as representações de cenas mitológicas, alegóricas e de caça. Dentre os conjuntos azulejares, numericamente, os dos conventos franciscanos do nordeste se destacam (47).

Neles são encontrados expressivos painéis a decorar principalmente capelas-mores, naves, cúpulas, nártex, sacristias, pátios de claustros, salas de capítulo, patamares de escadaria, corredores e refeitórios.

Nesse quesito, escolas e autores puderam ser identificados, notadamente da época dos Mestres, como a escola de Antônio de Oliveira Bernardes, na Santa Ceia do refeitório do Convento de São Francisco, em Salvador (BA), e na sacristia do Convento de Nossa Senhora das Neves, em Olinda; Policarpo da Silva Bernardes, no adro do Convento de Santo Antônio, em João Pessoa (PB); Antônio Pereira Ravasco, na Capela Dourada do Recife (PE) (48); Valentim de Almeida, no claustro elevado do Convento de Salvador (BA) e na capela-mor do Convento de Cairu (BA); um ingênuo pintor, identificado pela sigla PMP, na sacristia do Convento de São Francisco, em Salvador (BA), e num corredor do Convento de Nossa Senhora das Neves, em Olinda (PE); e as oficinas de Bartolomeu Antunes e Nicolau de Freitas na capela-mor, transepto, no claustro térreo do Convento de São Francisco de Salvador (BA) (49) e na sala do Capítulo do Convento de Santo Antônio do Recife (PE).

(46) Por diligência do Marquês de Pombal. Dentro do seu projeto de reconstrução de Lisboa, destruída por um terremoto em 1755.

(47)CAVALCANTI, 2006.(48) SERRãO, 2000: 277-229.(49) Sendo os azulejos da capela-mor assinados e os demais atribuídos.

4. Considerações Finais

Deixamos aqui levantadas determinadas questões que, a nosso ver, justificam a inclusão desses treze conventos franciscanos, em conjunto, como Patrimônio Cultural da Humanidade.

Do ponto de vista urbano, todos eles permanecem focos de referência histórica e interação sócio-cultural nos sítios onde foram construídos.

No que diz respeito à arquitetura, seus edifícios constituem um conjunto que apresenta algumas soluções inéditas na composição dos frontispícios, observadas a partir da segunda metade do século XVII.

Esse ineditismo caracteriza-se essencialmente pelo pórtico com arcadas que se abrem para o adro e pelo frontão arrematado por volutas e contra-volutas, na maioria das vezes com o campanário recuado.

Na arte da talha, a das igrejas franciscanas do Nordeste, além de ser uma importante fonte de análise estilística, permite uma melhor compreensão da história e da cultura dos tempos coloniais.

Sabe-se que os conventos franciscanos foram construídos no Brasil sempre a partir da solicitação da comunidade, que deveria sustentá-los.

Assim, a riqueza apresentada pelos interiores dos templos, notadamente os das Ordens Terceiras, a competir com as conventuais, pode ser explicada pelo fato de que seu grande desenvolvimento se inicia justamente com um Portugal Restaurado e com grande investimento em seu próspero e promissor Vice Reino.

O período de maior riqueza e profusão decorativas, dos inícios a meados do século XVIII corresponde à inserção do Barroco no mundo luso-brasileiro, proveniente da descoberta dos minérios preciosos na região das Gerais e da grande participação das confrarias laicas na esfera dos principais encomendantes.

O mesmo pode ser aplicado ao estudo da imaginária. quanto à pintura, seja em painéis parietais, em forro em caixotões ou em pers-pectiva ilusionista, seu conjunto remanescente constitui, sem sombra de dúvidas, um importante documento visual sobretudo do Barroco em nossas terras.

Por fim, o conjunto dos painéis de azulejos dos conventos franciscanos do nordeste constitui um dos mais significativos acervos de Arte no Brasil, cujo programa icono-gráfico é uma importante fonte de entendimento, não só da história dessa Ordem, mas também do período barroco e rococó no mundo luso-brasileiro.

Por todos esses motivos, urge a necessidade de maior cuidado na preservação, restauro e revitalização desse valioso patrimônio e sua interação no contexto cultural da sociedade brasileira contemporânea.

Pois preservar pressupõe salvaguardar o passado através de um projeto de construção do presente simultaneamente com a idéia de futuro.

Conventos e igrejas franciscanas no período colonial – Urbanismo – Arquitetura – Artes Plásticas

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