Franciscanos no Brasil: Patrimônio Urbano, Arquitetônico e Artístico

A presença franciscana no Brasil se fez notar desde os Descobrimentos, quando Frei Henrique de Coimbra, integrante da expedição de Cabral, celebrou a primeira missa em 22 de abril de 1500, logo após a chegada à enseada denominada Porto Seguro, ao sul do atual Estado da Bahia.

Entretanto, foi apenas no último quartel do século XVI que a Ordem dos Frades Menores de São Francisco se estabeleceu definitivamente em solo colonial. Em 1583, o terceiro donatário da capitania de Pernambuco, Jorge de Albuquerque Coelho, solicitou ao Ministro Geral dos franciscanos em Portugal a criação da Custódia de Santo Antônio do Brasil, aprovada por alvará régio de 12 de outubro do mesmo ano e posteriormente ratificada pelo Papa.

Esse período corresponde à União Ibérica (1580–1640), quando a Espanha Católica de Felipe II interrompeu o comércio entre Portugal e a Holanda Calvinista, prejudicando a economia açucareira do Nordeste. Questões de monopólio econômico, somadas a conflitos religiosos, aumentaram o risco de invasões holandesas.

Convento Franciscano de Olinda
Convento Franciscano de Olinda

A fixação das ordens religiosas na colônia brasileira começou com os jesuítas em 1549, durante a instalação do Governo-Geral, e se intensificou com a chegada dos carmelitas (1585) e dos beneditinos (1595).

Colégios, conventos e mosteiros passaram a ser não apenas centros de escolaridade e catequese, mas também espaços de milícia religiosa, proteção territorial e desenvolvimento urbano.

A fundação do primeiro convento franciscano foi decidida em Olinda, sede da capitania de Pernambuco e vila mais próspera da colônia, com o maior número de engenhos de açúcar, superando inclusive Salvador.

O Convento Franciscano de Olinda teve como primeiro Custódio — o mais alto posto na hierarquia franciscana — o Frei Melchior de Santa Catarina, natural de Rezende de Lamego. Ele partiu de Portugal com oito religiosos em 1.º de janeiro de 1585 e chegou a Olinda em 12 de abril.

A Casa Capitular da Custódia foi inicialmente instalada na capela de Nossa Senhora das Neves, e posteriormente no convento construído com apoio de uma rica viúva local, Maria Rosa, que vivia em recolhimento com outras mulheres, entre elas D. Izabel, D. Cosma e D. Felippa de Albuquerque, filhas de Jerônimo de Albuquerque, cunhado de Duarte Coelho Pereira, primeiro donatário de Pernambuco.

Maria Rosa também foi a primeira irmã da Ordem Terceira de São Francisco no Brasil, tomando o hábito em um oratório dedicado a São Roque, erguido por um frade franciscano antes da construção do convento.

As irmandades religiosas leigas, como a Ordem Terceira, desempenharam papel social, econômico, político e cultural fundamental. Seus membros, geralmente brancos e notáveis, construíam suas capelas devocionais junto aos conventos, às vezes até mesmo uma Casa de Oração com estruturas anexas, como portaria, claustro, sala de consistório, sacristia e biblioteca.

Durante sessenta e cinco anos, a Custódia de Santo Antônio do Brasil esteve subordinada à Província de Santo Antônio dos Currais, em Portugal, tornando-se independente em 1649 com autorização papal e transferindo sua sede para Salvador.

Em 1657, foi elevada à categoria de Província e, dois anos depois, no seu primeiro Capítulo, criou-se a Custódia de Nossa Senhora da Conceição, destinada aos conventos da área costeira do Sudeste (Espírito Santo, Rio de Janeiro e São Paulo), separando-os dos do Nordeste (Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia).

Essa nova custódia tornou-se província em 1675, com sede no Convento de Santo Antônio do Rio de Janeiro, atualmente fixada em São Paulo.

Ao longo de dois séculos, foram construídos vinte e três conventos franciscanos no Brasil, dos quais restam dezenove, sendo treze situados na região Nordeste.

Estes 19 Conventos Franciscanos no Brasil estão em ordem cronológica:

  1. Convento de São Francisco, em Olinda – PE (fundado em 1585; reconstruído no final do século XVII);
  2. Convento de São Francisco, em Salvador – BA (fundado em 1587; reconstruído em 1686);
  3. Convento de Santo Antônio, em Igaraçu – PE (fundado em 1588; reconstruído em 1661);
  4. Convento de Santo Antônio, em João Pessoa – PB (fundado em 1589-90; reconstruído entre 1700–1710);
  5. Convento de São Francisco, em Vitória – ES (fundado em 1590/1);
  6. Convento de Santo Antônio, no Rio de Janeiro – RJ (fundado entre 1606-7; reconstruído em meados do século XVIII);
  7. Convento de Santo Antônio, no Recife – PE (fundado em 1606; reconstruído em 1654);
  8. Convento de Senhor Santo Cristo, em Ipojuca – PE (fundado em 1606; reconstruído em 1654);
  9. Convento de Santo Antônio, em São Francisco do Conde – BA (segunda metade do século XVII);
  10. Convento de São Francisco, em Serinhaém – PE (fundado em 1630; reconstruído em 1654);
  11. Convento de Santo Antônio, em Santos – SP (fundado em 1639);
  12. Convento de Santo Antônio, em Cairu – BA (construído entre 1650 e 1654);
  13. Convento de Nossa Senhora da Penha do Espírito Santo, no Espírito Santo (fundado em 1650);
  14. Convento de Nossa Senhora da Conceição, em Itanhaém – SP (1655);
  15. Convento de Santo Antônio de Paraguaçu/Iguape – BA (construído em 1658; atualmente em estado precário);
  16. Convento de São Cristóvão, em Sergipe (construído em 1658 ou 1693);
  17. Convento de Nossa Senhora dos Anjos, em Penedo – AL (construído por volta de 1682 ou 1689);
  18. Convento de São Francisco, em Marechal Deodoro – AL (construído entre 1660 e 1684);
  19. Convento de São Boaventura, em Itaboraí – RJ (construído em 1660; atualmente em ruínas);
  20. Convento do Bom Jesus da Coluna, no Rio de Janeiro (construído em 1705).

O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) propôs recentemente a inscrição desses treze conventos nordestinos na Lista do Patrimônio Mundial da UNESCO. Este artigo apresenta, em síntese, a pesquisa coordenada com esse objetivo, na qual os monumentos foram analisados sob as perspectivas da História da Arte, Arquitetura e sua inserção urbana.

Vídeo sobre a História dos conventos e igrejas franciscanas no período colonial


Características dos Conventos Franciscanos Coloniais

1. Urbanismo

Como a maioria das ordens religiosas no Brasil Colonial, os franciscanos situaram seus conventos e igrejas em elevações junto ao mar, enseada, lagoa ou foz de rio, impondo-os como elemento de destaque e ponto de referência na paisagem e população locais.

Essa localização tinha um valor simbólico importante, pois representava uma Igreja a serviço de Portugal, além de atuar como elemento de proteção frente a eventuais ameaças de invasão estrangeira.

Entretanto, os franciscanos não se limitavam aos limites urbanos, buscando um maior contato com a natureza, que a Ordem privilegiava.

Em quase todos os casos, a fachada principal da igreja era voltada para a urbe, enquanto a igreja e a portaria conventual, espaços destinados à sociabilidade, voltavam-se para o povoamento, e a zona claustral (espaço de recolhimento dos religiosos) se abria para a paisagem natural, frequentemente garantida pelo curso d’água.

A presença dos franciscanos em determinado local, com suas igrejas precedidas de amplos adros, promovia a abertura de caminhos que levavam ao núcleo da povoação.

Os adros, enquanto espaço de transição entre o meio sagrado e profano, eram locais onde se realizavam festejos religiosos e populares, acentuando as características cenográficas dos conventos.


2. Distribuição Regional dos Conventos Franciscanos

2.1. Convento de Santo Antônio – João Pessoa

Na antiga cidade da Parahyba (atual João Pessoa), o Convento e Igreja de Santo Antônio representa uma das mais complexas e belas edificações barrocas no Brasil. Situado afastado da costa, acabou por se tornar o centro urbano, a partir do adro transformado em Largo, de onde partem até hoje as procissões. Atualmente, o convento abriga o Museu de Arte Sacra da cidade, promovendo também exposições de Arte Popular.

Convento e Igreja de Santo Antônio e Casa de Oração e claustro da Ordem Terceira de São Francisco em João Pessoa
Convento e Igreja de Santo Antônio e Casa de Oração e claustro da Ordem Terceira de São Francisco em João Pessoa

2.2. Convento de Santo Antônio – Igarassu

No Estado de Pernambuco, os franciscanos construíram mais cinco estabelecimentos. Em Igarassu, o Convento e Igreja de Santo Antônio foi situado junto ao mar, com a frente voltada para a urbe, sendo considerado o principal monumento histórico do município. Hoje, o local abriga o Museu Pinacoteca, com um dos acervos mais representativos da época colonial.

Convento e Igreja de Santo Antônio em Igarassu, Pernambuco
Convento e Igreja de Santo Antônio em Igarassu, Pernambuco

2.3. Convento de São Francisco – Olinda

Em Olinda, o conjunto arquitetônico formado pelo Convento de São Francisco, Igreja de Nossa Senhora das Neves e Capela da Ordem Terceira de São Roque foi construído no topo de uma das sete colinas que abrigavam a antiga vila-sede da capitania pernambucana. A fachada do edifício foi direcionada para a urbe, e seu caminho virou uma ladeira que conecta diversos outros monumentos históricos da cidade. Em 1982, o centro histórico de Olinda foi designado Patrimônio da Humanidade pela UNESCO.

Convento de São Francisco em Olinda
Convento de São Francisco em Olinda

2.4. Convento de Santo Antônio – Recife

No Recife, a construção do Convento e Igreja de Santo Antônio e outras dependências anexas pertencentes à Ordem Terceira de São Francisco das Chagas formam um complexo franciscano de grande importância histórica.

Localizado na junção dos rios Capiberibe e Beberibe, onde anteriormente Maurício de Nassau construiu seu Palácio Friburgo, o convento ocupa um sítio de grande nobreza.

Durante o período imperial, o adro da igreja se tornou a praça mais importante da cidade, e até hoje, realiza-se ali uma grande festa em louvor a São Francisco, com procissão, missa, novena e quermesse, atraindo grande público.

Convento e Igreja de Santo Antônio em Recife
Convento e Igreja de Santo Antônio em Recife
Interior da Capela Dourada em Recife
Interior da Capela Dourada em Recife dentro do complexo da Igreja e Convento de Santo Antônio. Um dos maiores exemplos do barroco dourado no Brasil, com talha riquíssima recoberta de ouro, azulejos portugueses e pinturas do século XVIII.

2.5. Convento de Santo Antônio – Ipojuca

No município de Ipojuca, o Convento e Igreja de Santo Antônio (ou de São Francisco) está situado em uma área elevada às margens do rio de mesmo nome. Durante sua festa anual, em 1.º de janeiro, a igreja atrai um grande número de romeiros. Além das celebrações litúrgicas, o adro serve de palco para atrações populares.

Convento de Santo Antônio - Ipojuca
Convento de Santo Antônio – Ipojuca

2.6. Convento de Santo Antônio – Sirinhaém

O Convento e Igreja de Santo Antônio, em Sirinhaém, localiza-se às margens do rio de mesmo nome, no ponto mais alto da cidade. Este é um dos principais monumentos históricos de Sirinhaém, considerada uma das cidades mais ricas em tradições no estado.

A cidade, que preserva características de uma articulação urbana medieval portuguesa, tem seu convento e sua área circundante em risco de degradação devido à ocupação desordenada do entorno.

Convento e Igreja de Santo Antônio em Sirinhaém
Convento e Igreja de Santo Antônio em Sirinhaém

2.7. Convento de São Francisco – Marechal Deodoro

O Estado de Alagoas possui dois estabelecimentos franciscanos. O primeiro, o Convento e Igreja de São Francisco (ou Santa Maria Madalena), no atual município de Marechal Deodoro, foi edificado às margens da Lagoa Manguaba, um entreposto de pesca que sustenta economicamente boa parte da população local. O monumento é atualmente um museu e seu entorno é um centro importante de atração turística e utilidade pública. No mesmo terreno, foram construídos o Educandário São José e uma unidade do Centro Federal de Educação Tecnológica (CEFET).

Convento e Igreja de São Francisco em Marechal Deodoro
Convento e Igreja de São Francisco em Marechal Deodoro

2.8. Convento de São Francisco – Penedo

O segundo estabelecimento franciscano é o conjunto formado pelo Convento de São Francisco e a Igreja de Nossa Senhora dos Anjos, localizado no município de Penedo, construído no alto de uma escarpa que desce para o rio São Francisco. O adro, hoje transformado em praça, compõe um conjunto de grande expressão urbana e é um centro de convergência das atividades sócio-culturais da cidade.

Convento de São Francisco e Igreja de Nossa Senhora dos Anjos em Penedo AL
Convento de São Francisco e Igreja de Nossa Senhora dos Anjos em Penedo AL

2.9. Convento de São Francisco – São Cristóvão

Em Sergipe, na cidade de São Cristóvão, destaca-se o Convento de São Francisco, com sua Igreja do Bom Jesus, localizada na parte alta da cidade, junto à foz do Rio Sergipe. O antigo adro da igreja, agora transformado na Praça de São Francisco, congrega uma enorme multidão durante as festas religiosas, como as de Senhor dos Passos.

Convento de São Francisco em São Cristóvão SE
Convento de São Francisco em São Cristóvão SE

2.10. Convento de São Francisco – Salvador

Os quatro últimos conventos franciscanos remanescentes no nordeste brasileiro encontram-se no Estado da Bahia. Na capital Salvador, o complexo formado pelo Convento e Igreja de São Francisco e a Igreja da Ordem Terceira de São Francisco da Penitência foi construído na parte alta da cidade. Através de uma ampla via, o monumento conecta-se ao Terreiro de Jesus e à Sé Primaz do Brasil, constituindo uma área de grande interesse cultural, religioso e cívico.

Convento e Igreja de São Francisco em Salvador BA
Convento e Igreja de São Francisco em Salvador BA
Igreja da Ordem Terceira de São Francisco da Penitência em Salvador BA
Igreja da Ordem Terceira de São Francisco da Penitência em Salvador BA

2.11. Convento de Santo Antônio – São Francisco do Conde

O Convento e Igreja de Santo Antônio, na Vila de São Francisco do Conde, situa-se na foz do rio Sergimirim, que deságua na baía de Todos os Santos. Este é um dos principais pontos turísticos da região do recôncavo baiano.

Convento e Igreja de Santo Antônio na Vila de São Francisco do Conde BA
Convento e Igreja de Santo Antônio na Vila de São Francisco do Conde BA

2.12. Convento de Santo Antônio – Paraguaçu

Em Paraguaçu, o Convento e Igreja de Santo Antônio foi construído às margens da foz do rio de mesmo nome. Apesar de estar bastante danificado, o edifício continua a ser um testemunho da valorização da ideia de contemplação, muito cara ao pensamento franciscano.

Convento e Igreja de Santo Antônio em Paraguaçu BA
Convento e Igreja de Santo Antônio em Paraguaçu BA

2.13. Convento de Santo Antônio – Cairú

O Convento e Igreja de Santo Antônio, em Cairú, encontra-se sobre uma colina, dominando a paisagem da ilha de Cairú. Seu adro continua a ser palco das principais festas religiosas locais, como as de Nossa Senhora da Conceição e São Benedito, atraindo grande número de fiéis e turistas.

Convento e Igreja de Santo Antônio em Cairú BA
Convento e Igreja de Santo Antônio em Cairú BA

2. Arquitetura dos Conventos Franciscanos no Brasil Colonial

2.1. O Primeiro Ciclo Construtivo: Simplicidade e Adaptação ao Clima

O primeiro ciclo construtivo franciscano no Brasil caracterizou-se por edifícios pobres, conforme o que inicialmente era defendido pela Ordem. Contudo, suas igrejas primitivas já possuíam torre e eram sempre precedidas de um alpendre, uma adaptação às condições climáticas da colônia, como mostra a pintura da época da invasão holandesa, Igaraçu, de Frans Post.

Frans Post - A Igreja dos Santos Cosme e Damião e o Mosteiro Franciscano de Igaraçu, Brasil - 1660.
Frans Post – A Igreja dos Santos Cosme e Damião e o Mosteiro Franciscano de Igaraçu, Brasil – 1660.

2.2. O Segundo Ciclo Construtivo: Esplendor Arquitetônico

O segundo ciclo pode ser considerado o período de esplendor da arquitetura conventual franciscana no Nordeste, iniciado após a expulsão dos holandeses em 1654 e estendendo-se até meados do século XVIII. Este período corresponde à fase de expansão e enriquecimento das ordens religiosas monásticas, paralela ao fortalecimento da presença da Coroa portuguesa no Brasil após a restauração da independência em 1640.

2.3. Estrutura e Simbolismo do Convento

A arquitetura passa a incluir dois andares, embora mantenha a mesma lógica espacial: o claustro como núcleo central. Esse pátio quadrangular, cercado por galerias abertas, contém jardim e fonte, representando simbolicamente o Éden franciscano. Ao seu redor distribuem-se alas com funções específicas:

a) Dimensão Social

Inclui a Portaria, o Parlatório e a Sala Capitular e Consistório. Os dois primeiros, junto à igreja e abertos para o claustro, possibilitam o encontro entre o mundo laico e o religioso, demandando aparato decorativo.

b) Dimensão Animal

Abrange o Refeitório, a Cozinha, os Serviços e as Celas (localizadas no pavimento superior). Essas dependências são funcionais, mas também estruturadas de maneira a facilitar o cotidiano monástico.

c) Dimensão Intelectual

Compreende as Salas de Estudo, Oficinas e, sobretudo, a Biblioteca. Este espaço se destaca por portada elaborada, estantes ricas e decoração pictórica no teto, refletindo o valor franciscano atribuído ao conhecimento.

d) Dimensão Espiritual

Corresponde à área da Igreja e Sacristia. A igreja era sempre iniciada pela capela-mor, seguida da nave. O frontispício era preocupação final, mas sua monumentalidade cresceu durante o segundo ciclo.

2.4. Elementos Arquitetônicos e Estéticos

As construções deste ciclo apresentam traçado mais erudito e barroco, como observa Alberto José de Souza, ressaltando o caráter cenográfico e a dramaticidade da decoração. O exemplo mais emblemático é o convento de Cairu, de autoria do arquiteto português Frei Daniel de São Francisco, que também projetou o de Paraguaçu.

As seções verticais e horizontais são marcadas por pilares e arquitraves de pedra. No andar superior, o frontão triangular é substituído por um de perfil movimentado, com aletas, volutas e pináculos – recurso decorativo do Maneirismo para esconder a empena.

No térreo, o tradicional alpendre cede espaço à galilé com arcadas em volta perfeita, integradas à volumetria do edifício.

Frei Jaboatão identificou semelhanças entre os conventos do Recife e de Ipojuca, atribuídos ao Mestre Gonsalves Olinda.

A maioria dos frontispícios possui uma única torre, recuada em relação à fachada. Exceções são as igrejas de Salvador e São Francisco do Conde, com duas torres alinhadas ao corpo central, seguindo modelos do Maneirismo tardio português.

Com o tempo, algumas torres evoluíram do remate piramidal do século XVII para formas bulbosas, típicas do século XVIII, como nas igrejas de João Pessoa, Recife e Marechal Deodoro.

2.5. Planta e Organização Interna

Internamente, as igrejas franciscanas adotaram a planta jesuítica: nave única, transepto inserido e capela-mor estreita. O retábulo principal localiza-se ao fundo da nave, ladeado por dois outros junto ao arco-cruzeiro.

Transversal à nave, encontra-se a capela da Ordem Terceira, frequentemente ricamente decorada.

Dois corredores ladeiam a capela-mor. O do lado do Evangelho, chamado via-crucis, abriga representações da Paixão de Cristo e conduz à Sacristia, geralmente transversal, rica em simbologia e decoração: retábulos dourados, forro pintado, armários e arcazes entalhados. Um lavabo monumental em pedra é seu anexo habitual.

Ao fundo da nave, localiza-se o Coro, com órgão e cadeiral, acima do nártex, acessível pela galeria do sobreclaustro. A música e o canto têm importância litúrgica na tradição franciscana.

2.6. Espaço Exterior: A Cerca e Seus Usos

Os conventos contavam com uma Cerca, área nos fundos dedicada a pomar, horta, coleta de água e lazer dos religiosos. Também servia ao isolamento, oração e meditação, funções fundamentais da vida conventual.


3. Artes Plásticas

Estão principalmente representadas pela riqueza do interior das igrejas e sacristias, feitas para impressionar.

O acervo artístico franciscano do nordeste brasileiro compõe-se de talha dourada, imaginária (em madeira ou terracota), pintura de forro (em caixotão ou ilusionistas), quadros, azulejaria, alfaias e cadeirais.

3.1. Talha

Foi principalmente pela talha, notadamente, através dos retábulos, que os interiores dessas igrejas adquiriram grande parte do seu vigor expressivo de espaço sagrado, constituindo-se em um elemento indispensável e principal adorno. Sabemos que a escultura foi sempre reconhecida como uma das mais legítimas manifestações plásticas da arte lusa e brasileira, cuja potencialidade visual a pintura só logrou alcançar no século XVIII.

3.1.1. O Primeiro Ciclo Decorativo

Os mais antigos retábulos franciscanos do nordeste brasileiro certamente corresponderam aos desenvolvidos na fase final maneirista ou de transição para o barroco em Portugal.

Foram os construídos nos primeiros decênios do século XVII para as capelas primitivas da Ordem. Desses retábulos maneiristas, infelizmente, só restam alguns fragmentos, como a base de uma coluna na igreja do convento paraibano.

3.1.2. O Segundo Ciclo Decorativo

Este ciclo insere-se na primeira fase do Barroco em Portugal, período que na Metrópole abrange de meados do século XVII ao primeiro decênio do XVIII, e que no Brasil se estende por cerca de mais vinte anos.

Corresponde aos inícios do ciclo do ouro. Participam desse momento: a talha da Capela Dourada da Ordem Terceira, no Recife; o retábulo da capela-mor e alguns colaterais da igreja do Convento de São Francisco, em Salvador; os retábulos da capela-mor e laterais da igreja do Convento de São Francisco, em Marechal Deodoro, e os retábulos do altar-mor e laterais da Capela dos Terceiros de São Francisco, em João Pessoa.

A talha recebe um intenso douramento, “cor por excelência ligada a Deus, a sua profusão, ainda que buscando uma manifestação de majestade e magnificência, deverá antes de tudo ser entendida como um dos processos mais convincentes para a atração sensitiva do crente”.

Desenvolve formas opulentas que, em muitos casos, se estendem como uma vegetação pelas paredes e molduras dos tetos em caixotão, onde prioritariamente a pintura se atém.

A estrutura retabular é dinâmica e cenográfica, articulada em um só corpo sustentado por colunas espiraladas, movimento que se prolonga no frontão em arquivoltas concêntricas e circunscreve um grande camarim central, destinado a conter, em majestade, a imagem devocional do altar.

O fecho do frontão, em geral, é arrematado com o emblema da Ordem de São Francisco. Os motivos ornamentais referem à iconografia cristã, num vocabulário naturalista predominantemente fitomorfo, como a folha de acanto (símbolo do heroísmo) e a parra (vinho eucarístico), das quais emergem figurinhas angélicas (mensageiros do amor divino) e o pássaro pelicano (sangue de Cristo).

3.1.3. O Terceiro Ciclo Decorativo

No período de D. João V (1707–1750), apogeu da monarquia absoluta, quando “Portugal era o ouro do Brasil”, predominou na decoração em talha das igrejas lusas e brasileiras o gosto barroco de importação romana, proveniente da oficina do Palácio de Mafra, que estava sendo construído, e no qual colaboraram artistas italianos, sob a direção do germano italianizado Ludovice.

Dessa fase chamam atenção os retábulos laterais da igreja conventual de Igarassu; o da Sala do Capítulo do convento de Olinda; o retábulo-mor da Igreja de Nossa Senhora dos Anjos, em Penedo (AL); os retábulos laterais ao arco do cruzeiro (1741–1743) da igreja conventual de São Francisco, em Salvador (BA); os retábulos mor e laterais da Capela dos Terceiros, em João Pessoa.

A estrutura da composição acentua o caráter arquitetônico, o dinâmismo, o tratamento cenográfico e introduz a grande estatuária, à imitação dos monumentos romanos.

O coroamento, diferentemente do estilo antecessor, apresenta um perfil quebrado e aberto, e sua decoração é totalmente independente da ideia de prolongamento do movimento dos suportes.

3.1.4. O Quarto Ciclo Decorativo

Corresponde ao período Rococó, que na decoração em talha se caracteriza por um traçado precioso e requintado, utilizando-se de volutas em movimentos de curvas, contra-curvas, de conchoides retorcidos e esgarçados (as chamadas rocailles), de estilizações fitomorfas e florais (palmas e plumas) e de elementos considerados ‘exóticos’, tais como chinesices, indianismos e africanismos.

O que mostra uma arte que se apropria de outros valores artísticos que não só os da cultura ocidental e que enfatizava os refinamentos e as sensações óticas de superfície, realçadas através do douramento do relevo sobre um fundo claro.

Na decoração das igrejas, a escolha iconográfica mostra a intenção em combinar símbolos sacros com ornamentos profanos.

A maioria das decorações em talha dos templos franciscanos nordestinos de meados do século XVIII às duas primeiras décadas do século XIX utilizou o Rococó, mas não em sua “pureza”, como de resto em toda a arte colonial do período.

Nele conviveram com elementos ornamentais barrocos e neoclássicos, como mostram os retábulos da igreja de Nossa Senhora das Neves e da Capela de São Roque, em Olinda; o retábulo mor da igreja de Santo Antônio, no Recife; e o retábulo principal da igreja de Santo Antônio, em Igarassu — exemplares significativos do período.

Essa talha, mais leve e delicada, denuncia o esgotamento do ciclo do ouro e a inserção numa arte que busca sua expressão na requintada decoração dos palacetes cortesãos europeus da época.

3.2. Imaginária – invocações principais

Dentre as imagens que compõem o acervo franciscano nordestino, sobressaem as de Cristo Crucificado; as de devoção mariana — Nossa Senhora da Conceição (a mais frequente), das Dores, Piedade e Rosário; e, como não podia deixar de ser, a do fundador da Ordem, São Francisco de Assis (na forma mais frequente da Visão do Monte Alverne e das Chagas), e a de Santo Antônio, o grande divulgador da doutrina franciscana e padroeiro de Lisboa.

Também estão entronizadas em altares franciscanos as imagens de Sant’Ana Mestra, São José, São Luís de França, São Roque, São Benedito, São Cosme e Damião, Santa Rosa de Viterbo, Santa Isabel de Hungria, Santa Isabel de Portugal. Quer sob a forma contida e hierática do Maneirismo, dramaticamente expandida do Barroco, ou refinada do Rococó, todas essas imagens são de grande efeito doutrinário, quer pela força que emanam na representação do sofrimento, da pureza, do exemplo de vida virtuosa, de pobreza e, muitas vezes, de martírio — uma santificação promovida pela Igreja Católica, através da Contra-Reforma, como um caminho pelo qual o fiel poderia estabelecer um elo com o Divino.

3.3. Pintura

Se nas primeiras décadas dos tempos coloniais a pintura não gozou do mesmo prestígio que arquitetura e escultura, ela veio a se afirmar como expressão visual notadamente no século XVIII, período áureo da produção barroca nessas terras, em quadros isolados, em painéis parietais e de forma monumental, em forros de tetos.

O gênero pictórico que melhor expressou a temática religiosa colonial foi o realizado nos forros das igrejas, em caixotões ou em perspectivas ilusionistas.

Na pintura de forros em caixotões figuram os painéis figurativos da vida de santos, emoldurados por um trabalho escultórico que se relaciona ao da talha. Seu período de maior produção deu-se no início de Setecentos.

Embora constituam obras de menor erudição, se comparadas às pinturas ilusionistas — pois apresentam recursos perspécticos pouco desenvolvidos e uma paleta simplificada — foram eficazes em sua finalidade catequética, possibilitando múltiplas oportunidades de ilustração aos ensinamentos dirigidos à congregação, bem como a identificação da mesma com as cenas retratadas.

E resultaram belos efeitos estéticos, quando bem conjugados à talha.


4. Considerações Finais

Levantamos aqui argumentos que, a nosso ver, justificam amplamente a inclusão dos treze conventos franciscanos do Nordeste como Patrimônio Cultural da Humanidade.

Do ponto de vista urbano, todos esses conjuntos permanecem como focos de referência histórica e de interação sociocultural nos sítios onde foram implantados.

Em termos arquitetônicos, seus edifícios formam um conjunto notável por apresentar soluções inéditas na composição dos frontispícios, particularmente a partir da segunda metade do século XVII.

Esse caráter inovador manifesta-se principalmente no uso de pórticos com arcadas voltadas para o adro e no frontão com volutas e contra-volutas, frequentemente acompanhados de campanários recuados.

No campo da talha, as igrejas franciscanas do Nordeste, além de constituírem objeto valioso para análise estilística, oferecem importantes pistas para a compreensão da história e da cultura do período colonial.

Sabe-se que os conventos franciscanos foram erguidos no Brasil sempre mediante solicitação da comunidade local, responsável também por sua manutenção. Assim, a riqueza dos interiores dos templos — sobretudo os das Ordens Terceiras, em constante diálogo e até mesmo em competição estética com os das ordens conventuais — pode ser explicada pelo contexto de um Portugal Restaurado, que investia fortemente em seu próspero e promissor Vice-Reino.

O período de maior esplendor decorativo, que vai do início ao meado do século XVIII, coincide com a inserção do Barroco no mundo luso-brasileiro. Esse movimento artístico foi impulsionado pela descoberta de minérios preciosos na região das Minas Gerais e pela crescente atuação das confrarias leigas, que passaram a figurar entre os principais encomendantes de obras de arte.

Essas observações também se aplicam ao estudo da imaginária. Quanto à pintura — seja em painéis parietais, forros em caixotões ou obras em perspectiva ilusionista —, o conjunto remanescente constitui, sem dúvida, um valioso documento visual do Barroco em solo brasileiro.

Por fim, o acervo de painéis de azulejos presentes nos conventos franciscanos do Nordeste figura entre os mais significativos do Brasil. Seu programa iconográfico constitui uma fonte essencial para o entendimento não apenas da história da Ordem Franciscana, mas também dos períodos barroco e rococó no mundo luso-brasileiro.

Por todas essas razões, torna-se urgente o estabelecimento de políticas de preservação, restauro e revitalização desse inestimável patrimônio, promovendo sua integração no contexto cultural da sociedade brasileira contemporânea.

Preservar é, afinal, salvaguardar o passado por meio de um projeto de construção do presente — com os olhos voltados para o futuro.

Conventos e igrejas franciscanas no período colonial – Urbanismo – Arquitetura – Artes Plásticas

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