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Descubra a fascinante trajetória da cana-de-açúcar, originária da Papua-Nova Guiné, sua introdução no Algarve e expansão pela Ilha da Madeira e Brasil. Saiba como a cultura do açúcar impulsionou o desenvolvimento colonial e a economia de Pernambuco no século XVI.
A cana-de-açúcar, originária de Papua Nova Guiné, era cultivada na Ásia Meridional e foi levada pelos árabes para a Sicília e, posteriormente, para a Espanha.
Em Portugal, seu cultivo começou no Algarve durante o reinado de D. João I e foi expandido para a Ilha da Madeira pelo Infante D. Henrique. O plantio na Madeira se desenvolveu rapidamente, e em 1455 já produzia 6.000 arrobas de açúcar.
A cultura açucareira foi introduzida no Brasil oficialmente em 1532 por Martim Afonso de Souza, mas já existia no Pernambuco desde os tempos da feitoria de Cristóvão Jacques em Itamaracá.
A Capitania de Pernambuco, doada a Duarte Coelho Pereira em 1534, prosperou com o apoio de capital judeu e mão de obra escrava africana. O primeiro engenho de açúcar foi construído em Beberibe.
O açúcar foi o principal impulsionador da economia pernambucana, que se expandiu para outras capitanias e participou na incorporação de territórios como o Maranhão.
A Jornada da Cana-de-Açúcar: De Portugal ao Brasil Colonial
A cana-de-açúcar é originária da distante Papua (Nova Guiné), onde já era conhecida há cerca de 12.000 anos, e depois cultivada na Ásia Meridional, foi a cana-de-açúcar (Saccharum officinarum L.) trazida pelos árabes da África para a Sicília e desta para a costa Sul da Espanha.
Entre os portugueses, o seu cultivo da cana-de-açúcar tem início no Algarve, ao tempo de D. João I (1404), sendo depois transportada pelo Infante D. Henrique para Ilha da Madeira, que a transformou no grande propulsor do progresso do mundo colonial de então.
De produto vendido nas boticas européias no século XIV, integrando a cozinha árabe que por três séculos dominou a Península Ibérica e tentou desenvolver o plantio da cana-de-açúcar em Granada, o açúcar chegou a Portugal “como remédio e regalo, parcimonioso em gente rica”.
Data de 1425 o plantio das primeiras mudas de cana-de-açúcar na ilha da Madeira, trazidas da Sicília por ordem do infante D. Henrique e plantadas no centro do Funchal, nas cercanias do Terreiro da Sé.
A cultura da cana-de-açúcar logo se desenvolveu e, em 1455, a produção era estimada em 6000 arrobas.
Em 1498, dois anos antes da descoberta do Brasil, Dom Manuel, Rei de Portugal, já fixava a exportação das ilhas – Madeira, Açores, São Tomé e Cabo Verde – em 120.000 arrobas.
Naquele final de século XV, a doçaria em Portugal já se encontrava centenária, com os seus bolos de mel, o alfenim, a alféloa, originários da cozinha árabe.
É desta época a representação das Cortes de Évora contra às alfeloeiras que, entre outros danos, faziam “os meninos chorar e pedir a seus pais mais dinheiro para comprarem dela dita alféloa”; daí a proibição de Dom Manuel, punindo a transgressão com pena de prisão e açoite, do comércio desse doce a ser exercido por homens.
O açúcar produzido na ilha da Madeira se tornara conhecido na Europa de então.
Sendo conhecido o episódio em que capitão Simão Gonçalves da Câmara, madeirense bem conhecido por seus rompantes de liberalidade, enviou como presente ao Papa Leão X (1513-1521) uma escultura em alfenim com todos os cardeais do Sacro Colégio em tamanho natural.
Muito embora introduzida oficialmente no Brasil por Martin Afonso de Souza, em 1532, a cana-de-açúcar já tomava conta da paisagem pernambucana desde os primórdios da colonização, ainda ao tempo da feitoria de Cristóvão Jacques, no Canal de Itamaracá (1516).
Em 1526, já figura na Alfândega de Lisboa o pagamento de direitos sobre o açúcar proveniente de Pernambuco, segundo informação revelada pela primeira vez por F. A. Varnhagen.
Com a implantação no Brasil do sistema das capitanias hereditárias, o território da capitania de Pernambuco foi doado a Duarte Coelho Pereira, que havia prestado à coroa relevantes serviços na conquista das Índias.
O território que constituiu a primitiva Capitania de Pernambuco foi estabelecido quando da doação feita por D. João III a Duarte Coelho Pereira, em 10 de março de 1534.
A metade da barra Sul do canal de Itamaracá – que o rei D. João III denominou de “rio” de Santa Cruz –, até cinquenta passos além do local onde existira a primitiva feitoria de Cristóvão Jacques, demarcava o limite Norte de Pernambuco; ao Sul, o limite da capitania era o Rio São Francisco, em toda sua largura e extensão, incluindo todas as suas ilhas da foz até a sua nascente.
Assim o território da Capitania de Pernambuco infletia para o Sudoeste, a acompanhar o curso do rio, alcançando suas nascentes no hoje Estado das Minas Gerais.
Ao Norte, o Rei estabeleceu o traçado de uma linha para o Oeste, por terra adentro, até os limites da sua conquista; ou seja, os definidos pelo Tratado de Tordesilhas (1493), isto é, as terras situadas além das 370 léguas ao Oeste das ilhas do Cabo Verde.
Estavam estabelecidas, grosso modo, as fronteiras da capitania duartina, cujas sessenta léguas de testada abrangiam todo o atual Estado das Alagoas e terminavam ao Sul, no Rio São Francisco, fazendo fronteira com o atual Estado das Minas Gerais.
Graças à posse deste importante curso d’água, em toda sua extensão e largura, o território de Pernambuco crescia na orientação Sudoeste, ultrapassando na sua largura em muito as sessenta léguas estabelecidas na carta de doação.
Na observação de F. A. Varnhagen, possuía a capitania de Duarte Coelho doze mil léguas quadradas, constituindo-se na maior área territorial entre todas que foram distribuídas pelo Rei D. João III.
Chegando à Feitoria de Pernambuco em 9 de março de 1535, Duarte Coelho fez-se acompanhar de sua mulher, Brites de Albuquerque, do seu cunhado Jerônimo de Albuquerque, e de algumas famílias do norte de Portugal que vinham tentar a sorte no desenvolvimento da agroindústria canavieira.
Coube a esse “fundador de nação” a implantação, de forma sistemática, das bases da agroindústria açucareira. Trouxe ele novas técnicas de fabrico do açúcar com a vinda dos engenhos e dos mestres especializados da ilha da Madeira e, sobretudo, da importação de capital judeu para o financiamento do empreendimento.
O primeiro engenho de açúcar de Pernambuco, o Engenho Velho de Beberibe, foi erguido logo nos primeiros anos da colonização por Jerônimo de Albuquerque, sob a invocação de Nossa Senhora da Ajuda.
Era este empreendimento, o primeiro das centenas que se seguiram, dando início a uma economia com base na cultura da cana-de-açúcar, fundada pelo donatário Duarte Coelho, que, para isso, mandou buscar mestres-de-açúcar na ilha da Madeira, importando a mão de obra escrava da África, de onde vieram os primeiros negros da Guiné.
A cultura da cana-de-açúcar veio dar novas cores, costumes, cheiros e sabores à paisagem, contribuindo assim para o desenvolvimento e sobrepujança da terra pernambucana, cujos primórdios eram assim vistos por Oliveira Lima:
A capitania de Duarte Coelho foi a que mais cedo prosperou, conquanto à custa de muito gasto e de muito esforço, porque, além das pouco vulgares qualidades pessoais do donatário, a terra recomendava-se pela sua excelência. Clima quente, porém temperado pelas suaves virações de terra e mar, tão faladas de Piso, o sábio médico de Maurício de Nassau. Chuvas abundantes e regulares em toda a zona aquém do sertão, refrescando os campos, engrossando os rios e evitando as secas. Terreno acidentado sem demasias, descendo gradualmente dos platôs ou tabuleiros do interior para as matas frondosas, nas quais a pujança não sobrepuja a beleza, e para as várzeas fertilíssimas banhadas por muitos rios, e expirando nos mangues ou alagados do mar.
Em Pernambuco, a “terra garanhona do massapê“, para usar a expressão de Gilberto Freyre, foi o solo ideal para a fundação dessa cultura que por mais de quatro séculos domina a economia de toda uma região.
Com os seus engenhos espalhados pelas várzeas dos rios Capibaribe, Beberibe, Jaboatão e Una, a Capitania Duartina viu florescer a civilização do açúcar.
Para o primeiro donatário, a Nova Lusitânia, como ele insistia em denominar Pernambuco, jamais seria uma colônia simplesmente extrativista, como queriam as ordens de Lisboa na primeira metade do século XVI, mas uma terra de plantação, embrião do que veio a ser a civilização do açúcar.
Foi este produto o suporte econômico da grande marcha civilizadora de Pernambuco, responsável pela colonização de todo o Norte do Brasil.
Foi o açúcar o grande impulsionador econômico dessas conquistas; açúcar que, em 1583, era produzido por 66 engenhos.
A situação econômica da capitania, no início do século XVII era, no dizer do frei Vicente do Salvador (c. 1564 – c. 1636-39), das melhores com o porto mais freqüentado do Brasil e uma renda de vinte mil cruzados, “afora o pau-brasil e dos direitos sobre o açúcar”.
Graças aos lucros obtidos com o açúcar, os de Pernambuco realizaram a colonização da Paraíba e do Rio Grande do Norte, estendendo sua conquista ao Ceará e ao Pará, sendo sua participação decisiva na incorporação do Maranhão ao território nacional.
Foi um pernambucano, por sua participação no esforço da incorporação do Maranhão, cujo território era ocupado pelos franceses, que orgulhosamente acresceu este topônimo ao seu nome de família, prática que se estendeu por todos os seus descendentes.
Refiro-me a Jerônimo de Albuquerque que, nascido em Olinda em 1548, filho do capitão Jerônimo de Albuquerque, cunhado do primeiro donatário, com D. Maria do Espírito Santo, índia da tribo dos Tabaiares, veio a conquistar o Maranhão aos franceses, então comandados pelo Monsieur de la Ravardière, Daniel de la Touche.
Por assinatura do termo de capitulação, em 2 de novembro de 1615, ao apor o seu nome, Jerônimo de Albuquerque acrescentou o topônimo Maranhão.
História da cana-de-açúcar na colonização do Brasil – A Jornada da Cana-de-Açúcar: De Portugal ao Brasil Colonial