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Embora estivessem presentes no Brasil desde as primeiras expedições portuguesas, os franciscanos somente se estabeleceriam aqui de modo fixo várias décadas depois.
Sob esse aspecto, o Convento Franciscano de Olinda é considerado o mais antigo estabelecimento dos discípulos de São Francisco em terras brasileiras, o berço da ordem no Brasil.
O primeiro documento histórico que lhe diz respeito é da época em que vigorava a União Ibérica – trata-se de um alvará assinado pelo Rei Filipe II de Espanha, datado de 12 de outubro de 1583, concedendo doação de um terreno para construção do convento.
Entre 1500 e 1584 não havia uma presença regular da Ordem Franciscana no Brasil, apenas pequenos grupos de religiosos em missões evangelizadoras sem a introdução de conventos.
Só em 1584 foi estabelecida a criação de uma Custódia Franciscana a pedido de Jorge de Albuquerque Coelho, então governador de Pernambuco, ao rei Felipe II, da União Ibérica.
Em 13 de Março de 1584 foi deliberada a petição para a fundação da Custódia de Santo Antônio do Brasil, com sede na Vila Marim (hoje Olinda), tendo como primeiro Custódio o Frei Melchior de Santa Catarina.
Em 1º de Janeiro de 1585 partiu do porto de Lisboa, com destino a Pernambuco, o navio que trouxe os frades responsáveis pela fundação da criada custódia franciscana do Brasil.
No dia 12 de Abril de 1585 desembarcaram em Olinda o Frei Melchior de Santa Catarina, Frei Francisco de São Boaventura, nomeados por patente do geral da ordem, Frei Francisco dos Santos, Frei Afonso de Santa Maria, Frei Manuel da Cruz, Frei Antônio da Ilha, sacerdotes, Frei Antônio dos Mártires, corista, e Frei Francisco da Cruz, religioso leigo.
Assim, iniciaram-se as atividades regulares da Ordem com a construção do primeiro convento, Nossa Senhora das Neves, em Olinda, e com o trabalho de evangelização através das missões, bem como com o atendimento aos colonos.
Os frades, primeiramente, habitaram uma casa próxima à igreja da Misericórdia, local onde ergueram um oratório no qual celebravam missas e outros atos religiosos.
Permaneceram na habitação durante cinco meses, pois D. Maria da Rosa, terciária franciscana, viúva de Pedro Leitão, rico senhor de engenho, doou ao padre custódio dos franciscanos, frei Melchior de Santa Catarina e aos seus companheiros, as terras de sua propriedade nas quais ela construíra uma igreja e uma casa anexa destinada a um recolhimento de mulheres.
Realizada a escritura de doação em 27 de Setembro de 1585, poucos dias depois, em 4 de Outubro do mesmo ano, os religiosos deixaram a casa e encaminharam-se para a igreja de Nossa Senhora das Neves.
O arquiteto Frei Francisco dos Santos forneceu o risco do Convento Franciscano, em 1585, assim como o traço do Convento da Paraíba.
Em 1586 os franciscanos deram início à realização de várias obras de acréscimo ao convento, finalizadas em Junho de 1590. No início do século XVII (entre 1627 e 1630) novas ampliações e adicionamentos foram efetuados.
Em 16 de Fevereiro de 1630 os holandeses invadiram Olinda, mas os franciscanos só abandonaram o convento após o incêndio provocado pelo inimigo em 24 de Novembro de 1631.
Com a rendição dos holandeses, em 1654, estes se retiram do Nordeste e, logo em seguida, os religiosos franciscanos ocuparam novamente o convento, cuidando dos reparos para recuperar o que restara.
História do Convento Franciscano de Olinda 08:23
Documentário Convento de São Francisco em Olinda03:07
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Topografia, Construção e Arquitetura do Convento Franciscano de Olinda
- Topografia
- Construção
- Aspectos arquitetônicos
- Arte sacra em azulejos
1. Topografia
Localizado em terreno de topografia acidentada, o Convento de São Francisco dialoga com a paisagem histórica do sítio, tendo como moldura o azul do mar e do céu. Segundo registros, seu núcleo inicial foi assentado sobre um platô (porção de terreno que constitui superfície plana e de fácil acesso), para nivelamento do piso.
Seu adro (espaço aberto em frente à Igreja, podendo ser murado ou cercado) de generosas dimensões possui um belo cruzeiro (cruz em pedra ou madeira erguida nos adros de igrejas) em pedra. O acesso dá-se por uma ladeira, ponteada pelo casario que remete a distintos períodos da arquitetura, entretanto, de bela harmonia no contexto.
A singularidade desse conjunto franciscano está no modo como foram articulados seus vários blocos construídos.
2. Construção
A construção inicial desse conjunto religioso deu-se com a chegada da ordem franciscana no Brasil, datada de 1585, com projeto de autoria do frei Francisco dos Santos, chegando a se constituir o exemplar franciscano mais antigo do país.
O terreno doado constituía uma colina com relevo acidentado em direção ao litoral – situação que demandou aterros e construção de muros de arrimo para aplainar a área de implantação do conjunto.
O primeiro núcleo erigido, já que o templo foi construído em diversas etapas, foi definido pelo corpo da Igreja e pelas estruturas primitivas que iriam definir o claustro (pátio interno nos conventos), descoberto e rodeado de arcos, porém ainda sem adornos.
A invasão holandesa a Olinda que consecutiu no incêndio da vila em 1631, destruiu boa parte das igrejas e casario, sendo extensiva também a esse templo.
Apenas em 1654, com a expulsão flamenga, é que foram iniciadas as obras de reconstrução da igreja, prolongando-se até o século XVIII, quando se tornou um dos mais belos e nobres conjuntos arquitetônicos da ordem franciscana erguidos no Brasil.
Foi nesse período que a fachada principal adquiriu sua atual feição, perdendo a saliência da galilé (alpendre contíguo à igreja, coberto e delimitado por arcadas ou colunatas) em relação ao corpo da igreja e a sobriedade dos detalhes estilísticos em seu corpo superior e adquirindo as arcadas (passagem com pelo menos um dos lados com sucessão de arcos) do claustro.
A capela da Ordem Terceira teve sua construção iniciada em 1711, de modo perpendicular à Ordem Primeira, sendo essa disposição típica da Escola Franciscana do Nordeste.
É importante destacar que São Francisco fundou três ordens religiosas: em 1209, a Ordem Primeira, para os religiosos do sexo masculino; em 1212, a Ordem Segunda, para as religiosas do sexo feminino; e em 1221, a Ordem Terceira ou Secular, para pessoas de ambos os sexos que não seguiam a vida eclesiástica.
O arco de transição da capela da Ordem Terceira para a nave (interior das igrejas, que vai desde a porta fronteira até o altar-mor) da Igreja de Nossa Senhora das Neves foi trabalhado com rica talha (trabalho ornamentado na madeira) e a sacristia (dependência próxima ao altar-mor, para a guarda dos paramentos litúrgicos e objetos sagrados), com pinturas que remetem a fins do século XVIII.
Por volta do ano de 1715, a capela-mor foi reedificada, recebendo, sucessivamente, elementos decorativos que ilustram a influência barroca na arquitetura.
Já a construção do bloco conventual remete à segunda metade desse mesmo século, como uma ampliação do claustro.
Nele se destaca a criação de um terraço descoberto de frente para o mar, sobre a cisterna.
Após um período de ampliações e reformas, o templo franciscano inicia uma fase de abandono e decadência, especialmente registrada em fins do século XIX, associada à determinação do Império Brasileiro de proibir a admissão de noviços em conventos.
No entanto, no início do século XX, a ordem franciscana retorna ao Brasil, dando seqüência às intervenções de melhoria e ampliação no monumento.
Em 1945, são executadas obras na coberta do torreão, onde se localiza a biblioteca e, posteriormente, entre os anos de 1952 e 1956 uma nova intervenção é realizada.
3. Aspectos arquitetônicos
O Convento de Nossa Senhora das Neves foi construído pela Ordem Franciscana durante o período colonial.
Sua implantação no terreno ocupa apenas 11,87% da área total, sendo o restante ocupado por uma rica e exuberante cobertura vegetal tropical.
O programa arquitetônico do Convento, que constitui a Ordem Primeira, abrange a igreja, com nave única, capela-mor, sacristia, coro (local situado acima da porta de acesso e no início da nave, para canto ou reza do coral), o claustro, campanário (torre onde se encontram os sinos) e o adro com o cruzeiro.
O Conjunto Franciscano de Olinda é constituído de três pavimentos, setorizados em área conventual e Ordem Terceira.
Para melhor entendimento, pode-se dizer que o pavimento térreo é dividido em três áreas:
- a privativa dos religiosos, que dispõe de serviços e biblioteca.
- a área acessível ao público, caracterizada pelo parlatório (local onde os internados de conventos ou colégios religiosos recebem visitas), auditório, terraço descoberto, claustrobd, capela de Santa Ana, capela do Capítulo, sacristiaca.
- a última área corresponde à Ordem Terceira, situada a norte do conjunto, em que apenas é permitido o livre acesso à nave e capelamor de São Roque.
No pavimento superior da Ordem Terceira estão situados o consistório e a presidência.
O bloco conventual consiste na área privativa dos religiosos. Dispõe, no primeiro pavimento, das celas dos padres, das salas do curso de Teologia e do seu apoio administrativo.
No segundo pavimento, foram dispostas algumas celas, a biblioteca e o espaço de recreação.
De forma quadrangular e construído em etapas sobre um robusto embasamento de pedras, ainda dispõe de claustro, que é a área livre central do convento e considerada a principal do conjunto, registrando a inspiração renascentista, com arcadas que seguem a ordem toscana, encimadas por galerias.
Como traço do rebuscamento, o convento possui a marcação dos cunhais em pedra.
A fachada do bloco que faceia a Ladeira de São Francisco é marcada, em seu pavimento térreo, por óculos (abertura ou janela circular ou oval em empenas ou frontões, que propicia a iluminação e a ventilação internas), e nos andares superiores, por janelas com a técnica construtiva do convento é a alvenaria estrutural em pedra e tijolo, de característica típica luso-brasileira e auto-portante.
A coberta é em estrutura de madeira, constituída de tesouras e terças, e telhas cerâmicas tipo canal. O primeiro pavimento foi constituído por tábuas em assoalho sobre barroteamento.
Sobre essa estrutura em madeira, são assentadas paredes divisórias em taipa ou estuque.
Em algumas áreas do claustro, os vigamentos em madeira repousam sobre as colunas em arenito.
Os materiais de revestimento do piso variam entre tijoleiras artesanais de barro cozido e ladrilhos hidráulicos, que agregam valor ao monumento.
A fachada da igreja apresenta frontispício (fachada ou frente de um edifício) em tratamento rebuscado, sendo nítida a presença de galilé, como elemento retomado no Brasil por franciscanos e beneditinos.
Tal fronstispício foi projetado subdividido no sentido horizontal em três partes: a primeira abrange a galilé, com colunatas e arcos plenos; a segunda é demarcada pelas janelas do coro em verga reta e molduras em pedra, e a terceira parte consiste no frontão (arremate superior triangular nos edifícios clássicos, com três partes: a cimalha, a empena e o tímpano) com volutas (ornato em forma de espiral) e nicho central com imaginária, encimado com uma cruz central.
Interessante destacar que as volutas conferem movimento à fachada nos pavimentos superiores, quase que os transformando em um único frontão, contrastando com a regularidade do conjunto.
A torre sineira é única e se encontra recuada do alinhamento da fachada como uma característica típica da ordem franciscana, sendo coberta em cúpula (abóbada de revolução, formada por um arco que gira em
torno de um eixo).
Coroando a composição harmônica, pináculos (o ponto mais alto de um edifício) marcam o frontão e a torre sineira.
No interior da igreja, a nave é retangular e a capela-mor, pouco profunda.
O nártex ou galilé foi demarcado pelo coro em madeira, este perfeitamente engastado nas paredes laterais do monumento, sem o apoio de colunas.
Os altares colaterais existentes remetem ao século XVIII e as tribunas (espécie de varanda de onde se assiste as cerimônias religiosas) são ricamente ornamentadas.
Nas paredes laterais da nave existe um extenso painel azulejado, que registra cenas religiosas. O forro da nave possui detalhe singular em colméias octogonais, dispostas em abóbada ( todo teto côncavo) – detalhe arquitetônico também aplicado no teto da capela-mor.
O arco cruzeiro em pedra, que marca a capela-mor, apresenta-se pouco rebuscado.
A Sacristia localiza-se na parte posterior do monumento, possuindo generosas proporções. Foi projetada com duas arcadas como capelas que se sobressaem do corpo principal – uma delas dispõe de um belo lavatório em mármore de Lioz.
As paredes da sacristia também são ornamentadas com extenso painel azulejado, forro decorado e guardam, ainda, um singular mobiliário em jacarandá.
A Capela de São Roque foi disposta de modo perpendicular à igreja do Convento, como uma solução arquitetônica específica dos conventos franciscanos do Nordeste brasileiro. É ricamente ornamentada e possui forro em madeira com detalhe em artesoado – guarnecido com artesões.
A Capela de Santanna constitui o principal acesso do conjunto franciscano, com planta simétrica e formato quadrangular. Suas paredes internas são azulejadas, possivelmente, remanescentes do século XVIII, e o forro
apresenta rica pintura.
O altar de Santa Ana remete ao estilo barroco português.
A Capela do Capítulo, com acesso pelo claustro, possui dimensões reduzidas, porém com ricos ornamentos na talha do retábulo (construção de talha de madeira ou pedra, em que se encosta um altar, possuindo nichos para imagens ou caixilhos para quadros) e nas pinturas do forro.
Há registros de que os azulejos de suas paredes internas remontem ao ano de 1660.
O adro existente, de generosas proporções, compõe a integração entre a arquitetura religiosa e o sítio histórico, entrecortado pela Ladeira de São Francisco. Por intervenção arquitetônica recente, encontra-se situado em um nível mais baixo do que o do conjunto.
Nele, pode-se observar um belo cruzeiro em pedra.
Diante do exposto, constata-se que o conjunto franciscano, além da bela composição arquitetônica, dispõe de um rico acervo de bens móveis integrados, que agregam valor artístico e histórico ao monumento.
Painéis de azulejos portugueses nas paredes internas da nave retratam cenas religiosas, o teto com forro em colméia registra um singular modo de composição estilística.
O conjunto franciscano, além do uso religioso, também é utilizado com fins turísticos, festivos e profissionais. Atualmente, o convento tem abrigado o curso de Teologia do Instituto Franciscano de Teologia de Olinda (IFTO) ministrado em três salas de aula situadas no pavimento superior.
4. Arte sacra em azulejos
Entre as variadas expressões estéticas da espiritualidade franciscana, inserem-se os painéis da azulejaria portuguesa – sécs. XVII e XVIII – que ornamentam o primeiro edifício da Ordem dos Frades Menores – O.F.M. erguido no Brasil, em Olinda-PE, construído em várias etapas, desde o ano de 1585, a partir da já existente Igreja de Nª. Sª. das Neves, passando pelo grande incêndio perpetrado pelos holandeses em Olinda, em 1631, entre outros eventos, resultando no atual e harmonioso conjunto arquitetônico barroco integrado pelas Capelas – com forros dos tetos preenchidos por magníficas pinturas de Papas e santos franciscanos, e de histórias religiosas – de São Roque, do Capítulo, de Sant’Ana, e da vasta biblioteca com muitos livros no idioma alemão, além do cruzeiro de pedra em frente ao templo.
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Encontram-se dispostos nas paredes do claustro conventual dezesseis amplos painéis de azulejos nas cores azul e branco, alusivos à trajetória – vida e morte – de São Francisco de Assis, constituindo marcante exemplo da multissecular devoção pernambucana ao “Mendigo de Deus”, assim referido por Dante Alighieri n’A Divina Comédia – “Nasceu para o mundo um sol!” –, merecendo destacar a expressividade dramática do painel alusivo ao conhecido episódio ocorrido na capelinha de São Damião, próxima a Assis, em que retratado o Santo, ajoelhado e com olhar voltado ao crucifixo, quando ouviu Jesus dizer-lhe: “Vade Francisce, Repara Domus Meam” (“Vá, Francisco, e restaure a Minha Casa!”).
O visitante, no espaço da bela sacristia do Convento, com imponente mobiliário em jacarandá, contemplará, ainda, além da beleza iconográfica do seu teto, o painel azulejar em que o Menino Jesus aparece a Santo Antônio, e, na sequência, a admirável representação artística de São Francisco das Chagas, por ocasião do recebimento dos estigmas de Cristo através de um serafim planando sobre rochedos entre os rios Tibre e Arno.
Em meio a muitos outros exemplares da arte barroca em azulejos que compõem, por exemplo, as laterais da nave da Igreja de Nª. Sª. das Neves, sobre paisagens e cenas bíblicas variadas, inclusive com epígrafes latinas, sobressaem-se os de temática mariana, assim como o notável painel “Circuncisão de Jesus Cristo”, de forte tom realista, com o Menino cercado por várias pessoas, vendo-se São José e a Virgem Maria, a moldura encimada pela legenda “Vocatum est nomen ejus Jesus. Luc.2.” (“Foi- lhe dado o nome de Jesus”.).
Inúmeros painéis em azulejos seguem perfilados nos revestimentos das paredes da Capela de Sant’Ana, retratando a vida da mãe de Maria, e da Sagrada Família.
O espírito franciscano revive na iconografia sacra desses azulejos, nas pinturas e nas demais obras de arte votivas à propagação da fé cristã, bem como, nas pessoas dos frades e noviços daquele acolhedor ambiente, abnegados religiosos – “Pobreza, Obediência e Castidade” – dispostos à perpetuação dos princípios franciscanos calcados no Evangelho, em prol da edificação de uma sociedade pacífica, fraterna e caritativa.
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