A cidade de Olinda-PE é reconhecida por sua história, beleza natural, patrimônio cultural, seja através da arquitetura colonial de suas igrejas e casarões ou por suas manifestações culturais.
O ano de 1932 marca o início da utilização dos bonecos gigantes no carnaval olindense, através do calunga, pelo Clube de Alegoria e Crítica o Homem da Meia-Noite.
Abrange as décadas de 1980, período que marca a difusão dos bonecos gigantes no carnaval da cidade, e pelos anos 2000, quando ocorre o reconhecimento do calunga do Homem da Meia Noite como Símbolo Oficial da Prefeitura da Cidade.
E finaliza com o reconhecimento oficial do Clube de Alegoria e Crítica Homem da Meia-Noite como Patrimônio Vivo do Estado de Pernambuco no ano de 2006.
Os bonecos gigantes são aqui entendidos como objetos culturais utilizados pelas agremiações carnavalescas para construir narrativas e personalidades imortalizadas na memória coletiva, ou seja, são atribuídos a estes bonecos gigantes uma carga simbólica que move os foliões nos dias de folia.
A prática de festejar o carnaval no Brasil teve início no século XVII com as brincadeiras de entrudos.
Os entrudos eram jogos comuns em algumas aldeias portuguesas nas quais as pessoas molhavam umas às outras com água.
No Brasil haviam dois tipos de entrudos:
- O familiar ocorria e forma mais reservada, apenas entre membros de uma família e amigos.
- O popular acontecia nas ruas, tendo a participação de todas as pessoas, sem distinção de classe social.
Entretanto, ao longo dos anos a brincadeira foi sendo ressignificada pelos praticantes, onde passaram a fazer parte do jogo outros elementos, como ovos podres, farinha e outras substâncias que desagradavam às elites locais.
Nesta perspectiva, destaca-se a tentativa de banalização / criminalização do entrudo por parte dos grupos vinculados às elites que visavam à substituição desta brincadeira pautada num projeto civilizador para o país.
É nesse contexto que vai haver uma ruptura entre os carnavais da elite e da população pobre.
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Apesar desta cisão, o entrudo permaneceu e que surgiram outras formas para brincar o carnaval, este que assumiria um papel de destaque no que diz respeito as festividades urbanas de cunho popular em nosso país.
A partir da década de 1870, intensificou-se nas primeiras décadas do regime republicano no país, a festa carnavalesca trilhou caminhos que a levaram, em definitivo, a ser vivenciada e reconhecida socialmente como a grande festa urbana, pública e popular realizada no Brasil, no presente século.
No que diz respeito a formas particulares dos festejos carnavalescos podemos citar as cidades de Recife e Olinda onde ocorre a formação de troças, clubes e blocos de carnaval.
No final do século XIX e início do século XX, embalados pelo ritmo do frevo, diferentes agentes sociais da cidade de Recife se articularam e passaram a criar agremiações para festejar os dias de folia.
As troças carnavalescas eram agremiações mais populares, cujos desfiles aconteciam de forma simples, onde os participantes desfilavam pelas ruas a pé, acompanhadas por uma orquestra de músicos e um estandarte que simbolizava o elemento identitário do grupo.
Os clubes de carnaval de Recife realizavam os desfiles de forma mais organizada, nos quais seus participantes trajavam fantasias.
Alguns clubes utilizavam alegorias em seus cortejos.
Os carros eram enfeitados de acordo com o tema elaborado pelo grupo. Esses clubes passaram a ser chamado de Clube de Alegoria e Crítica, pois satirizavam algum fato cotidiano ou político.
Havia uma comissão para avaliar as alegorias, caso não seguissem o regulamento, as mesmas seriam impedidas de seguir o desfile.
Geralmente, esta forma de brincadeira era mais comum à elite, devido aos custos elevados para a confecção das fantasias e adereços.
Por fim, os blocos de rua, popularmente chamados de blocos líricos, agremiações nas quais os músicos utilizavam instrumentos de pau e corda, cujas melodias entoavam o frevo canção.
Essas formas de brincar o carnaval também funcionavam como uma disputa política e simbólica entre a elite e a população mais pobres.
Na Cidade do Recife na década de 1920, as disputas perpassavam desde a qualidade das fantasias e adereços à quantidade de pessoas que acompanhavam os desfiles, além da demarcação dos lugares, por parte do poder público, destinados a tais grupos para a realização dos seus cortejos e o debate sobre a participação feminina nos blocos.
Durante a formação dos estados nacionais foi preciso criar símbolos capazes de unir as pessoas em torno de representações, tais como a língua, hinos, a bandeira.
O intuito era, através de elementos patrióticos, construir um sentimento de pertencimento com aquele lugar. Neste sentido, o Estado passou eleger bens, práticas e manifestações culturais capazes de contribuir com a criação de uma identidade nacional, pois assumiriam um caráter de tradição dentro dessas sociedades.
Todavia, muitas vezes, “tradições” que parecem ou são consideradas antigas são bastante recentes, quando não inventadas”.
No processo histórico no qual as agremiações passaram a incorporar os bonecos gigantes ao carnaval olindense e como estes, devido a sua apropriação, foram utilizados de instrumento identitário da Cidade de Olinda.
O que nos faz pensar esses gigantes a partir da perspectiva dos campos do patrimônio, memória e identidade.
Concebidos como patrimônio de um grupo, os bonecos gigantes funcionam como a materialização de todas as relações sociais e práticas que envolvem a organização de uma agremiação carnavalesca. O boneco gigante funciona como o elemento identitário capaz de congregar as pessoas, sobretudo, aquelas que residem próximas a sua sede.
No início do século XX a cidade de Olinda já possuía diversas troças carnavalescas reconhecidas pela qualidade dos seus desfiles tais como: o Clube Lenhadores de Olinda (1907), a Troça Carnavalesca Mista Cariri (1921), a Troça Carnavalesca Prato Misterioso (1925), entre outras.
No entanto, nenhuma dessas agremiações era representada por bonecos gigantes, mas sim por estandartes. Foi justamente da ruptura de uma dessas agremiações que surgiu na Cidade de Olinda a figura dos bonecos gigantes.
A utilização de bonecos gigantes nas festividades de cunho religioso era comum, como em procissões e no teatro de fantoches, conhecida em Pernambuco como mamulengos.
Contudo, a utilização dos bonecos gigantes na comemoração dos desfiles de carnaval no Estado de Pernambuco tenha ocorrido em Belém de São Francisco, no ano de 1918, com a criação do boneco de Zé Pereira.
Em Olinda o boneco gigante apareceria apenas no ano de 1932 com a fundação da, inicialmente, Troça Carnavalesca Homem da Meia-Noite. Esta resulta de uma dissidência da Troça Carnavalesca Mista Cariri que abria oficialmente o carnaval da Cidade de Olinda.
Segundo as informações obtidas no site da agremiação, a chapa derrotada na eleição de 1931 resolveu criar uma nova troça carnavalesca que fosse às ruas antes da Troça Carnavalesca Mista Cariri, cujo desfilo ocorria sempre às 4 horas da madrugada do sábado para o domingo de carnaval.
O que demonstra a disputa do poder simbólico entre as agremiações.
Sobre a fundação do Clube de Alegoria e Crítica Homem da Meia-Noite:
A data de nascimento do primeiro gigante de Olinda é 2 de fevereiro de 1932, dia de Iemanjá. Na certidão, o registro de meia dúzia de pais e nenhuma mãe: Benedito Bernardino da Silva, Luciano Anacleto de Queiroz, Cosme José dos Santos, Manoel José dos Santos e Eliodoro Pereira da Silva. O mais famoso dos gigantes do carnaval tem o nome de batismo guiado pelos ponteiros do relógio: o Homem da Meia-Noite.
Através da leitura deste trecho, percebemos uma associação da agremiação com o candomblé através data de sua fundação. Esta relação pode ser justificada pela nomenclatura atribuída ao boneco gigante, chamado de “calunga”.
Calunga representa pequenos bonecos de madeira utilizados durante os cortejos de maracatu nação, de cunho religioso. Outro aspecto a ser mencionado é a ausência da participação feminina na fundação da agremiação. Os fundadores eram moradores da Cidade de Olinda.
Apesar da falta de recursos, tendo em vista a profissão dos seus fundadores (encadernadores, pintor de parede, carpinteiro e sapateiro), o grupo não queria fazer o esforço investir na construção de alegorias para os desfiles posteriores ao ano de 1932, reconfigurando a sua tipologia, passando a ser chamado de Clube de Alegoria e Crítica Homem da Meia-Noite.
O horário escolhido para demarcar a rivalidade foi à zero hora do sábado para o domingo.
Existem duas teorias que justificam a escolha deste horário:
- A primeira teoria baseia-se na exibição de um filme intitulado “O ladrão da meia-noite”, onde o personagem, bem trajado de fraque e cartola, ganhava vida após sair de dentro de um relógio para realizar os assaltos, sempre, a meia-noite.
- A segunda teoria diz respeito a um homem misterioso, elegante, que passeava pelas ruas da Cidade de Olinda sempre à meia-noite. Este entrava nas casas das donzelas para namora-las.
Os dois primeiros desfiles do Homem da Meia-Noite, ocorridos nos anos de 1932 e 1933, caracterizou a agremiação como uma troça carnavalesca devido a simplicidade do seu cortejo que tinha um estandarte com um relógio bordado marcando a zero hora, ou seja, a meia-noite, além de um calunga gigante com mais de 3,5 metros de altura feito de madeira, papel e goma pesando mais de 60 quilos.
O calunga como é chamado o boneco trajava um fraque nas cores verde e branca, além de uma cartola preta.
Devido à falta de recursos, o Homem da Meia-Noite não desfilou durante os carnavais dos anos de 1950 a 1953, retornando no ano de 1954, a partir da ajuda da Prefeitura da Cidade de Olinda na gestão do Prefeito Alfredo Lopes que passou a destinar verbas para os desfiles.
Desde então o Homem da Meia-Noite passou a ser referência na Cidade, arrastando multidões.
O Homem da Meia-Noite durante muito tempo foi à única agremiação carnavalesca da cidade de Olinda representada por meio de um boneco gigante.
Apenas no ano de 1967 surgiria a Troça Carnavalesca Mulher do dia, representada por uma boneca que seria a esposa do Homem da Meia-Noite e, posteriormente, o Menino do Tarde no ano de 1974, simbolizando o fruto desse matrimônio.
Hoje a abertura de um dos mais belos carnavais do Brasil, o de Olinda, iniciou com um cortejo dos três principais bonecos gigantes da cidade:
- O Homem da Meia Noite (1932)
- A Mulher do Dia (1967)
- O Menino da Tarde (1974)
Na década de 1980 como o período de crescimento desses personagens no carnaval da Cidade, em especial, por conta do trabalho de artesãos na confecção dos bonecos gigantes.
Fato que evidencia que a tradição dos bonecos gigantes de Olinda é um algo recente.
No ano de 2006, o Clube de Alegoria e Crítica Homem da Meia-Noite foi reconhecido como Patrimônio Vivo do Estado de Pernambuco, o que demonstra a importância da instituição, simbolizada pelo calunga, para a cultura local.