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A Igreja de São Francisco de Assis, localizada em Ouro Preto, Minas Gerais, é considerada uma das obras-primas do barroco brasileiro.
Durante o período colonial, nenhuma cidade crescera tanto e tão rápido quanto a curvilínea Ouro Preto de Minas Gerais.
A abundância de ouro e metais preciosos fez com que milhares de pessoas se dirigissem ao local em busca de enriquecimento fácil e possibilidades de negócio.

Dentre elas também estavam as elites portuguesas e brasileiras, culturais e políticas. E também as religiosas.
Nessa época, o Catolicismo era parte integrante não somente da cultura local como também do próprio poder governamental.
A construção de igrejas era uma forma de retribuir as graças alcançadas e também de mostrar poder.
Cada irmandade — instituições religiosas compostas por leigos, cujo objetivo era ajudar os seus membros e a comunidade, porém com obediência às regras sancionadas pela IgrejaCatólica — buscava construir a sua igreja, no alto das colinas que compunham a cidade, sempre o mais bonita e luxuosapossível.
É nesse contexto que se dá a construção da Igreja de São Francisco de Assis.
A Ordem Terceira da Penitência de São Francisco de Assis, primeira ordem criada na então Vila Rica, reunia os nomes mais importantes da sociedade. Os membros se encontravam em outras igrejasaté que, em 1762, começaram a cogitar a possibilidade de construir o próprio templo.
História e Arquitetura da Igrejas de São Francisco de Assis de Ouro Preto
As obras começaram em 1766, auge da exploração aurífera em Ouro Preto.
Para sua realização foram contratados os dois artistas mais prestigiados da época: Antônio Francisco Lisboa, mais conhecido como Aleijadinho, responsável pelo desenho e projeto da igreja; e Manuel da Costa Ataíde, ou Mestre Ataíde, responsável pelas pinturas da igreja de São Francisco de Assis.
A igreja de São Francisco de Assis, concluída em 1810, não tinha como ficar nada menos do que primorosa.
Partes do templo foram restauradas nos anos de 1883 e 1925, mas não com a devida atenção.
Por isso foi necessária uma recuperação ampliada, como aconteceu em 2001. No projeto foram restauradas diversas partes do altar-mor, dos seis altares laterais e do assoalho —que visavam, em sua maioria, a fixação de peças que se desprenderam e a limpeza e recuperação de cores e texturas originais.
O cuidado com o templo é fundamental: além de ser uma das construções mais importantes de Ouro Preto, primeira cidade brasileira a receber o título de Patrimônio Cultural Mundial, conferido pela Unesco, em 1981, ele é também uma das Sete Maravilhas de Origem Portuguesa no mundo.
“A igreja de São Francisco de Assis é o mais perfeito modelo do Barroco Mineiro”, afirma o bispo emérito da Diocese de Oliveira, em Minas Gerais Dom Francisco Barroso Filho.
IGREJA DE SÀO FRANCISCO DE ASSIS EM OURO PRETO
Dona de contornos inovadores, ornamentos requintados, esculturas delicadas e pinturas vibrantes, a igreja de São Francisco de Assis impressiona. Vários elementos contribuem para que ela seja consideradapor muitos a obra-prima do Barroco Mineiro.
Mas para compreender o que foi o Barroco Mineiro, é preciso entender a chegada desse estilo artístico no país e o seu progressivo “abrasileiramento”.
O estilo barroco começou na Itália, no final do século XVI,e chegou ao Brasil em meados do século XVIII. Entre as suas características mais fortes estão a dramaticidade, o realismo e a exuberância, principalmente no que concerne aos elementos decorativos.
Por muito tempo o barroco feito no Brasil foi visto como inferior, mesmo o de inspiração portuguesa, devido à falta de formação dos artistas locais e a maneira rudimentar com a qual os artesãos trabalhavam. Os primeiros mestres eram, inclusive, portugueses e traziam consigo o“saber-fazer” tradicional.
Às iniciais manifestações do barroco no Brasil, que acontecem entre 1710 e 1730, denomina-seprimeira fase; o estilo é marcado por pequenas capelas com colunas retorcidas, revestimento em talha dourado e pinturas com tons de azul e vermelho.
Barroco Mineiro
Com o passar dos anos, a exploração do ouro atinge seus mais altos níveis, refletidos no rebuscamento artístico de maior parte de suas construções.
Templos de fachada neoclássica, excesso de elementos decorativos e policromia em branco e dourado são alguns dos elementos mais fortes da chamada segunda fase do barroco, que vai de 1730 a 1760.
Foi nesse período que o uso do ouro foi mais acentuado.
A Basílica Matriz de Nossa Senhora do Pilar, também em Ouro Preto, é um exemplo claro do barroco desse período.
A partir de 1760, a arte feita no Brasil é elevada a outro patamar. A mistura de influências artísticas, a produção de esculturas a partir de matérias-primas locais — com destaque para a pedra-sabão — e a liberdade com que os artistas locais desenhavam, fizeram com que se desenvolvesse uma arte original, diferente de todas as outras.
É por isso que aterceira-fase do barroco também éconhecida como Barroco Mineiro. “Os elementos básicos continuam os mesmos, mas o modo de trabalhar é mais livre, não está preso às formas tradicionais”, afirmaIvo Porto de Menezes, professor da Escola de Arquitetura da UFMG e da Escola de Minas de Ouro Preto.
O estilo é chamado por muitos de Rococó, no qual as principais características são a quebra de ângulos retos, a troca do detalhamento excessivo por uma maiorleveza decorativa e a profusão de flores, laços, guirlandas e elementos circulares.Com um passeio minucioso pela igreja de São Francisco de Assis, em Ouro Preto, é possível encontrar todas estas peculiaridades.
Requinte artístico
Se o Barroco Mineiro é uma das primeiras expressões artísticas originalmente brasileiras e se a Igreja de São Francisco de Assis é tida como o melhor exemplar desse estilo artístico, visitar o templo é conhecer um dos fundadores de uma estética que prima pela originalidade. De fato, Aleijadinho utilizou recursos arquitetônicos incomuns aos templos mineiros.
A fachada e o corpo principal possuem formas arredondadas e as duas torres estão recuadas, ao contrário das igrejas da época até então.
Ainda na fachada, anjos apontam para brasões da coroa portuguesa e da ordem franciscana, que sustentam a imagem da virgem Maria. É curioso observar que a virgem leva uma tipoia no braço direito, assim como usava Aleijadinho.
No medalhão acima, uma representação de São Francisco de Assis no Monte Alverne, local onde o santo teria recebido os estigmas.Todos esses elementos foram esculpidos em pedra-sabão.
A fachada da Igreja de São Francisco de Assis apresenta referências militares. “Os óculos laterais remetem às construções militares, cujo objetivo era facilitar a vigília.
As duas torres frontais aludem à forma de canhões e as cúpulas lembram capacetes usados na idade média. Todos esses elementos podem ser interpretados como uma alusão de Aleijadinho à idade média, quando viveu São Francisco”.
O interior da igreja é bastante detalhado. Os seis altares laterais são ornamentados ao melhor estilo rococó, cheios de flores e guirlandas, muitas delas revestidas com talha de ouro. O fundo dos altares e as paredes da igreja levam as cores branco e dourado, tons que proporcionam maior leveza à obra.
Na capela-mor está representada a Santíssima Trindade, com a virgem ao centro, coberta por uma abóbada de madeira com quatro medalhões, um em cada canto. Nas peças do altar é possível observar de perto as expressões faciais desenhadas por Aleijadinho, famosas pelosolhos mongóis, maçãs do rosto salientes e queixo bipartido.
Duas das suas principais obras dentro da igreja são os dois púlpitos, que ele — um um mulato, filho do mestre-de-obras português Manoel Francisco Lisboa com a sua escrava africana de nome Isabel — realizou com a ajuda de três escravos.
Apresença de negros trabalhando na realização das obras chama a atenção de diversos especialistas. O historiador da arte Germain Bazin é um dos que admite essa surpresa, como descrito no livro “A arquitetura religiosa barroca no Brasil”.
“É surpreendente que a realização mais perfeita desse rococó português aconteça no Brasil, e não na metrópole, e que seja devida a um mestiço.”
A pintura do teto, feita pelo Mestre Ataíde, é um espetáculo a parte. Os tons de azul e vermelho foram amplamente utilizados para dar forma à representação de Nossa Senhora dos Anjos. As colunas, desenhadas em perspectiva, dão a impressão de que a santa se afasta cada vez mais do mundo terreno e se aproxima do mundo divino.
Ao lado dela estão diversos anjos e querubins que tocam instrumentos e parecem festejar a elevação da santa aos céus. Ataíde pintou uma série de painéis laterais — que simulam azulejos portugueses —representando a vida de Abraão.
O investimento artístico efetuado na igreja não serviu somente à decoração do templo ou à fruição estética: era também uma maneira de atrair mais fiéis.
Ainda hoje, a beleza das esculturas e pinturas faz com que um número significativo de pessoas visite a igreja, se encante com a arte e vivenciealguns dos preceitos católicos, independentemente da sua religião.
Milhares de brasileiros e estrangeiros viajam para Ouro Preto todos os anos. Visitar a Igreja de São Francisco de Assis éum programa quase obrigatório. “O turismo e a devoção podem conviver muito bem, desde que um respeite as necessidades do outro”, afirma Ivo Porto de Menezes. O turismo é bem-vindo, mas é proibido nos momentos dedicados às missas e outras celebrações.
História de São Francisco de Assis
Francisco ainda jovem, dentro da igreja de São Damião, Giovanni ouviu a voz de Cristo, que lhe pedia para reconstruir o templo no qual rezava. Ele voltou à sua casa, apanhou diversos tecidos finos da loja de seu pai, os vendeu no mercado da cidade e entregou todo o dinheiro ao padre.
O pai, furioso, mandou que o buscassem. Com medo, Giovanni se escondeu em um celeiro.
Tempos depois, em uma tentativa de revelar o seu desejo de servir à igreja, seu pai o acorrentou em um porão.
Ao ser solto por sua mãe, tentou buscar o bispo local, mas foi novamente capturado pelo pai que ainda exigia uma contrapartida pelos tecidos que havia vendido. Então Giovanni se despiu na frente de todos, como um símbolo de renúncia à sua herança, e partiu, nu, para uma vida junto à Igreja Católica.
Desde então, o jovem Giovanni — também conhecido como Francisco devido a um apelido de infância — levou uma vida de devoção e fé.
Mais do que isso, renovou o catolicismo de seu tempo por meio das próprias ações. Inspirado pela vida de Cristo, viveu de maneira itinerante e em estado de extrema pobreza, pregando a palavra do evangelho e sempre interessado em ajudar os pobres e miseráveis.
“Ninguém é suficientemente perfeito, que não possa aprender com o outro e, ninguém é totalmente destituído de valores que não possa ensinar algo ao seu irmão”.
Francisco morreu na cidade de Assis, em 1226, e foi canonizado dois anos depois como São Francisco de Assis.
Sua postura e seus ensinamentos reverberam ainda hoje, tanto na Igreja Católica quanto no imaginário popular.
Desde então, o mundo inteiro reza missas, batiza cidades econstrói templos em sua homenagem.
No Brasil não foi diferente. Mas entre as muitas igrejas dedicadas ao santo, algumas merecem destaque e são testemunhas de tempos históricos.
Representam a fé, mas também ilustram, por meio da arte, a história do país.