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Os judeus no Brasil colonial enfrentaram uma situação complexa e frequentemente difícil. Durante o período colonial, o Brasil era uma colônia portuguesa, e a Inquisição tinha grande influência na vida social e religiosa. O judaísmo, portanto, era proibido e qualquer prática judaica era rigorosamente reprimida.
O judaísmo teve quatro fases no Brasil colonial
1. Período Inicial
Nos primeiros tempos do Brasil colonial, houve uma presença de judeus que se estabeleceram na colônia, muitas vezes como cristãos-novos (judeus convertidos ao cristianismo). Muitos desses cristãos-novos eram na verdade praticantes secretos do judaísmo, uma vez que o cristianismo era imposto pela Inquisição. Esses indivíduos eram frequentemente perseguidos e forçados a praticar sua fé em segredo.
2. Pernambuco e a Resistência
Um dos episódios mais notáveis da presença judaica no Brasil colonial ocorreu na região de Pernambuco. Durante o período em que a região foi ocupada pelos holandeses (1630-1654), houve uma relativa liberdade religiosa, e muitos judeus foram atraídos para a região. Sob a administração holandesa, liderada por João Maurício de Nassau, os judeus puderam praticar sua religião abertamente e até mesmo contribuir significativamente para a vida econômica e cultural da colônia.
3. Perseguição e Expulsão
Após a expulsão dos holandeses e a retomada do domínio português, a Inquisição voltou a agir com rigor. Muitos judeus e cristãos-novos foram perseguidos, e aqueles que eram descobertos praticando o judaísmo eram severamente punidos. Muitos fugiram para outros lugares, como os Estados Unidos e a Amazônia, onde tentaram estabelecer novas comunidades.
4. Legado
Apesar das dificuldades e perseguições, a presença judaica teve um impacto duradouro no Brasil. A resistência e a contribuição dos judeus para a vida econômica e cultural durante o período colonial são aspectos importantes da história do Brasil.
A História dos Judeus no Brasil Colonial
A história dos judeus no Brasil colonial é marcada por uma trajetória de resistência, adaptação e contribuição significativa, apesar da repressão que enfrentaram.
É de presumir, embora faltem documentos a respeito, que o aparecimento do judeu ou cristão-novo nas terras novamente descobertas por Pedro Álvares Cabral data das primeiras viagens portuguesas às costas do Brasil. Era gente afeita ao mar e ao comércio, que não deixaria escapar a oportunidade propícia à aventura e ao lucro.
Por uma carta de Piero Rondinelli, datada de Sevilha, 3 de outubro de 1502, e divulgada pela Raccolta Colombiana (3ª parte, vol. II, p. 121), sabe-se que a terra do Brasil ou dos Papagaios foi arrendada a alguns cristãos-novos.
A condição era que mandassem todos os anos seus navios para descobrir trezentas léguas de terra adiante, construíssem uma fortaleza no descoberto e a conservassem por três anos: no primeiro não pagariam nada, no segundo pagariam um sexto e, no terceiro, um quarto do que levassem para o tesouro.
O relatório do veneziano Leonardo de Cha de Messer, escrito de 1506 a 1507 e publicado no livro Comemorativo do Descobrimento da América pela Academia das Ciências de Lisboa, adianta que o arrendamento era de vinte mil quintaes de pau-brasil e devia durar um triênio, repetido em 1506, 1509 e 1511.
O nome de Fernão de Noronha aparece como um dos principais arrendatários, enviando todos os anos homens e navios para a terra do Brasil.
Dessas viagens comerciais, pouco se apura dos documentos da época. Entretanto, é provável que derivem desses vários indivíduos mais tarde encontrados em diversos pontos do litoral brasileiro, alguns tidos como degredados, outros como náufragos, todos integrados à vida dos habitantes indígenas, cheios de mulheres e filhos.
O Caramuru, João Ramalho, Francisco de Chaves, o próprio misterioso bacharel de Cananéa, aquele castelhano que vivia no Rio Grande (do Norte), entre os Potiguaras, com os bem assegurados como os deles, e tantos outros desconhecidos, seriam talvez desse número de judeus, colonizadores espontâneos das terras de Santa Cruz.
A Inquisição custou a entrar em Portugal. De 1531 a 1544 houve várias tentativas para seu estabelecimento, que se tornou definitivo em 1547.
Enquanto isso, sob ameaças de perseguição, os cristãos-novos haviam de procurar abrigo no Brasil, longe das vistas ferozes de seus perseguidores.
Por essa época, mais ou menos em 1540, chegou à Bahia, fixando-se em Ilhéus, Felippe de Guillen, castelhano, que antes vivia em Portugal.
Fora boticário no Porto de Santa Maria, tinha alguma habilidade de matemático, e na corte portuguesa fez saber ao rei D. João III que lhe queria dar a arte de Leste a Oeste, com um astrolábio para medir o sol a toda hora, pelo que conseguiu a mercê de cem mil réis de tença “com o hábito e corretagem da Casa da Índia, que valia muito”.
Descoberto que tal invento não passava de uma mistificação, foi preso, e Gil Vicente enviou-lhe umas trovas, em que vem esta décima:
Na Bahia, em Porto Seguro, Guillen alcançou o cargo de provedor da fazenda real. Quando Thomé de Souza determinou fazer a entrada em busca de minas de ouro, confiada a Espinhosa, Guillen inscreveu-se para tomar parte na empreitada; mas, avançado em idade e doente dos olhos, nada pôde fazer.
Ainda vivia cerca de 1571, conforme testemunho do jesuíta Antônio Dias, que, denunciando perante a mesa de Santo Ofício, na Bahia, a 16 de agosto de 1591, disse que, há vinte anos, ouviu dizer em Porto Seguro que Felippe de Guillen, tido por cristão-novo, quando se benzia o fazia com uma figa, e que dava por desculpa que tinha o dedo polegar comprido.
É sabida a predileção dos judeus pela arte de curar e sua derivada, a farmácia. Mendes Cios Remédios, Castro Boticário e muitos outros são cognomes que denunciam ainda hoje, pela profissão ancestral, a origem judaica de seus portadores.
Foram judeus os primeiros físicos ou cirurgiões que vieram ao Brasil, com nomeações reais. Jorge Fernandes chegou em companhia do segundo governador-geral, D. Duarte da Costa, e serviu como físico durante três anos.
A 1º de julho de 1556, o governador mandou riscar seu nome da folha de pagamento, mas vinte e um dias depois mandou readmiti-lo. Teve questões com D. Duarte, mas não era amigo do bispo D. Pedro Fernandes Sardinha, de quem disse em carta publicada que “suas qualidades bastavam para despovoar um reino, quanto mais uma cidade tão pobre como esta.”
Faleceu em junho de 1567. Vinte e cinco anos depois, Fernão Ribeiro de Sousa denunciou, contando que, durante sua doença final, pediu que o lavassem, quando morresse, e o enterrassem ao modo judaico, o que foi cumprido.
O padre Luís da Gran também denunciou em 1591 que, há trinta e cinco anos mais ou menos, na cidade do Salvador, fora preso Jorge Fernandes, físico, meio cristão-novo, por dizer que Cristo nascera com corpo glorioso, imortal e impassível, “e estando preso o perguntou a ele denunciante por dúvida se era aquilo verdade ou não.”
Outro físico foi o mestre Jorge de Valadares, que serviu pouco tempo, provavelmente cristão-novo, como era com certeza seu substituto, o bacharel mestre Alfonso Mendes, que devia ter vindo com Mem de Sá, e foi uma das testemunhas que depuseram no Instrumento passado àquele governador em 1570.
O cônego Jacome de Queiroz acusou-o, quando ele não era mais do rol dos vivos, de adorar um crucifixo que possuía, como era fama pública geralmente tida por verdadeira. Houve ainda um mestre Pedro e diversos outros cirurgiões, que não desmentiram a origem israelita, muito embora quase nada se conheça de suas passagens pelo Brasil.
Os cristãos-novos da Bahia tinham sua sinagoga, ou esnoga, como vulgarmente se dizia, em Matuim. Heitor Antunes, personagem importante entre eles, chegou com Mem de Sá e estabeleceu-se na capitania com sua mulher Anna Rodrigues e seis filhos, três homens e três mulheres, que todos casaram e tiveram dilatada descendência. Uma das filhas, Leonor, casou com Henrique Moniz Barreto, fidalgo da Casa Real, e vereador da Câmara da Bahia e senhor de engenho em Matuim. Já era velhinha Anna Rodrigues, sogra de Moniz Barreto, quando foi presa pelo Santo Ofício na Bahia, por culpa de judaísmo, mandada para Lisboa e lá queimada viva.
Logo abaixo da gente de Heitor Antunes vinha a de Fernão Lopes, alfaiate que fora do duque de Bragança, e não se sabe bem por que estava na Bahia, com sua mulher Branca Rodrigues e quatro filhas, que casaram e só uma parece não ter deixado gerações; outra casou com o bacharel mestre Alfonso, já referido, e desse casal nasceu Manuel Affonso, que apesar da impureza de sangue chegou a ordenar-se sacerdote e foi meio cônego da fé da Bahia.
André Lopes Ulhoa pertencia ao número dos cristãos-novos abastados de bens na capitania. Morrendo-lhe uma tia muito querida, usou as formalidades do luto judaico durante seis meses, tomando as refeições sobre uma caixa da Índia, baixa, e recebendo as visitas sentado no chão, em alcatifa.
Foi por isso denunciado e preso pelo Santo Ofício, que o enviou para Lisboa, onde os inquisidores o mandaram abjurar de levi em auto particular. Um seu tio, Diogo Lopes Ulhoa, acompanhou Christovão Cardoso de Barros na conquista de Sergipe e aí obteve uma sesmaria; outro consta que foi queimado pela Inquisição.
Foram muitos, como se vê, os cristãos-novos da Bahia que tiveram de ajustar contas com o tribunal presidido pelo inquisidor Heitor Furtado de Mendonça, que chegou solenemente a 9 de Junho de 1591, domingo de Santíssima Trindade.
Forçados pelas perseguições do Santo Ofício, desde que começou a funcionar em Lisboa, devem ser sem conta os judeus que abandonaram Portugal para viver no Brasil, como linhas acima ficou acentuado.
Alguns tinham bens de fortuna, que trataram de fazer aumentar na colônia por meios lícitos e também ilícitos. Bento Dias de Santiago foi do número dos primeiros.
Teve o contrato dos dízimos reais nas capitanias de Bahia de Todos os Santos, Pernambuco e Itamaracá, pelo menos desde 23 de Dezembro de 1575, mas antes dessa data já se encontrava em Pernambuco, senhor do engenho de Camaragibe.
Ainda era contratante em 25 de Novembro de 1583, data do alvará que lhe deu a moratória de dez dias, com fundamento na provisão de 20 de setembro do ano precedente, do rei Felippe II, que mandava adotar em seus domínios a correção gregoriana, em virtude da qual ao dia 4 de Outubro de 1582 seguia, não o dia 5, mas o dia 15, sendo o imediato 16, e assim por diante até o dia 31, contando o referido mês apenas vinte e um dias naquele ano.
Pelas suas posses era indivíduo influente na corte portuguesa; chegou a obter uma sesmaria na ilha de Itamaracá, de que aliás não fez grande cabedal, porque deixou prescrever a concessão no fim do decênio.
Outro judeu opulento, que por esses tempos habitou Pernambuco, foi João Nunes, cuja fortuna passava de duzentos mil cruzados, uma cifra quase astronômica para aquela época e para aquele lugar. Para a conquista da Paraíba concorreu com créditos, e nela se achou com o ouvidor Martim Leitão, segundo escreveu Frei Vicente do Salvador.
Ali possuiu dois engenhos de açúcar, um moente, outro que não moia.
Perante a mesa do Santo Ofício, tanto na Bahia quanto depois em Olinda, João Nunes foi acusado de graves culpas, inclusive, e esta era das mais leves, de ser largo de consciência em seus contratos, fazendo ofensas cruéis contra Cristovão Vaz do Bom-Jesus, Felippe Cavalcanti, o florentino, Cristovão Lins, o alemão, e muitos outros mais.
Era homem sagaz, astuto e de muito saber, o rabino da lei dos judeus em Pernambuco, ao qual os cristãos-novos tinham grande obediência e respeito, apesar de viver escandalosamente amancebado com mulher casada, sem querer restitui-la ao marido complacente, que lhe perdoara o adultério e a reclamava com insistência aos seus caminhos conjugais.
Na mesma sociedade em Pernambuco se encontravam ainda outros cristãos-novos que conseguiram passar à história, mais ou menos interessantes pela influência que exerceram em seu meio. Diogo Fernandes e sua mulher Branca Dias merecem destaque.
Jeronymo de Albuquerque, o patriarca pernambucano, em carta a D. João III, datada de Olinda, Agosto de 1556, intercedia a favor de Diogo Fernandes, que com outros companheiros de Vianna, por causa da guerra com os índios de Iguarassú, perdera sua fazenda e ficara muito pobre, com sua mulher, seis ou sete filhas e dois filhos, pelo que merecia que sua alteza lhe fizesse alguma mercê, pois era homem que, para negociar com engenhos, “outro mais suficiente na terra do que ele não se achava.”
Foi, de fato, leitor do engenho de Camaragibe, de Bento Dias de Santiago, que era parente de sua mulher. Ali havia esnoga, onde, nas luas novas de agosto, em carros enramados, os judeus da terra iam celebrar o Yom Kipur e outras cerimônias do rito judaico.
D. Brites de Albuquerque, viúva do primeiro donatário, assistiu aos últimos momentos de Diogo Fernandes, e na agonia lhe dizia que chamasse pelo nome de Jesus, nomeando-o muitas vezes, e “ele virava sempre o focinho, e nunca o quis nomear.”
Branca Dias sobreviveu ao marido, mas já era defunta em 1594, quando o Santo Ofício chegou a Pernambuco. Suas filhas casaram bem na terra: a mais velha, Ignez Fernandes, casou com Balthazar Leitão; Violante, com João Pereira; Guiomar, com Francisco Frazão; Isabel, com Bastião Coelho, por alcunha Boas-Noites; Felippa, com Pero da Costa; Andresa, com Fernão de Sousa; e Anna, com outro Diogo Fernandes. Uma filha de Ignez com Balthazar Leitão, Maria de Paiva, casou com o fidalgo Agostinho de Hollanda, filho de Arnal de Hollanda e de sua mulher D. Beatriz Mendes de Vasconcellos, e sobrinho-neto do papa Adriano VI, a acreditar em Borges da Fonseca e Gamboa.
Esse consórcio só foi feliz em não haver descendência, acrescenta com o zelo de familiar do Santo Ofício o primeiro daqueles genealogistas, que aliás trucida de falso, dando Brites ou Beatriz Fernandes como mulher de Agostinho de Hollanda, quando o certo é que esta foi das filhas de Branca Dias a única que não arranjou casamento, porque era aleijada e feia, e tinha até o apelido de Yella.
Branca Dias, quando morou em Olinda, tinha casa na Rua dos Palhaços, onde recebia meninas, como pensionistas, para aprenderem a coser e a lavar com ela e as filhas.
Uma figura singular naquela sociedade foi Âmbrosio Fernandes Brandão, sem dúvida o Brandão dos magníficos Diálogos das Grandezas do Brasil, que é um dos mais substanciosos escritos sobre o Brasil no primeiro século. Custa a crer que um simples colono dispusesse daquela formidável cornucópia de admiráveis conhecimentos, que prodigamente derramou nas páginas de seu livro, de informação tão segura e observação tão justa.
Brandão não era médico, como Garcia da Orta; dele nenhum depoimento existe de que tenha passado, como o outro, por Coimbra ou Salamanca. Por isso mesmo é que maravilha como possuísse tamanho cabedal científico, de tão extensa erudição em matérias que por seu ofício ou profissão não estava obrigado a versar, quanto mais a ensinar.
Estava em Pernambuco, pelo menos, em 1583; daí acompanhou o ouvidor Martim Leitão como capitão de mercadores, em uma das expedições contra franceses e índios da Paraíba e tomou parte com a sua companhia no combate em que foi conquistada a cerca do Braço de Peixe.
Era então um dos leitores da fazenda de Bento Dias de Santiago, e frequentava a esnoga do engenho de Camaragibe; foi por esse motivo denunciado perante a mesa do Santo Ofício, na Bahia, em outubro de 1591, com outros seus correligionários, como João Nunes, já referido, Simão Vaz, Duarte Dias Henriques e Nuno Alvares, por ventura o interlocutor Antão dos Diálogos, que como ele, também era leitor dos dízimos reais a cargo de Bento Santiago.
Antes de 1613 estabeleceu-se na Paraíba, onde ainda tomou parte em outras entradas contra franceses e índios. Nessa época era senhor de dois engenhos de açúcar, o Inobi, ou de Santos Cosme e Damião, e do Meio, ou São Gabriel; naquele ano pedia licença para fabricar terceiro engenho na ribeira do Garjaú, e requeria uma sesmaria, que somente lhe foi concedida dez anos depois. Ignora-se quando morreu, mas já não vivia quando os holandeses tomaram a Paraíba.
Outra figura interessante da capitania pernambucana é a de Bento Teixeira, que se qualificou perante a mesa do Santo Ofício, em Olinda, a 21 de janeiro de 1594, como “cristão-novo, natural da cidade do Porto, filho de Manuel Alves de Barros, que não tinha mais ofício que tratante, e de sua mulher Lianor Rodrigues, cristãos-novos, casado com Felippa Raposa, cristã-velha, morador nas terras de João Paes, na freguesia de Santo Antonio, no Cabo de Santo Agostinho, mestre de ensinar moços o latim, ler e escrever, a aritmética.”
O visitador já o conhecia pelas desfavoráveis ausências que fizeram diversos denunciantes na Bahia. Seus pais faleceram nessa capitania, onde parece primeiro a família aportou no Brasil.
Dois irmãos seus também adotaram profissão literária. Fernão Rodrigues, o mais velho dos três, foi mestre de ensinar moços na ilha de Itamaracá, e Fernão Rodrigues da Paz, o caçula, ali tivera a mesma ocupação, mas já não a exercia em julho de 1595.
Esse, aos dezessete anos, esteve no Rio de Janeiro, onde tomava lições de aritmética com o cristão-novo Francisco Lopes, e já tinha bom conhecimento do latim.
Depondo, em Olinda, declarou o mesmo Fernão Rodrigues da Paz não saber de parente algum seu que fosse preso ou sentenciado pelo Santo Ofício, o que exclui a hipótese de ter vindo a família degredada para o Brasil por culpas no cartório da Inquisição. Bento Teixeira, cerca de 1580, frequentava os estudos do Colégio da Companhia de Jesus na Bahia; era um mancebo alto, grosso, de pouca barba, e andava com vestes compridas e barreto de clérigo; quatro anos depois estava na capitania dos Ilhéus, onde contraiu matrimônio.
Em Pernambuco estaria pelos anos de 1586; ali teve escola de ensinar moços em Iguarassú, Olinda e ultimamente no Cabo de Santo Agostinho.
Em dezembro de 1594 asilar-se-ia no mosteiro de São Bento por ter assassinado sua mulher; ignora-se a causa determinante do uxoricídio, mas não é fora de cogitação fosse o adultério, que pela legislação coeva não se considerava fato punível, uma vez que o matador já em setembro do ano seguinte, ou mesmo antes, havia dispensado o asilo beneditino, talvez com alívio dos bons monges.
Queiram ou não queiram alguns historiógrafos e compiladores da literatura nacional, esse Bento Teixeira não pode deixar de ser o mesmo Bento Teixeira que escreveu a Prosopopéia, o qual, há mais de três séculos vem sendo considerado por gregos e troianos como brasileiro, natural de Pernambuco, e cronologicamente o primeiro poeta do Brasil.
Compreende-se quanto é difícil anular uma noção secularmente encrustada nos tratados de literatura, principalmente, como no caso sujeito, quando ela é, de certo modo, simpática ao sentimento nacional de um povo.
Mas, enquanto não se provar a existência em Pernambuco, nos fins do século XVI, de um Bento Teixeira brasileiro nato, capaz de poetar, será tolice insistir na tese clássica, que só tem a aboná-la a tradição acolhida por Barbosa Machado e servilmente recolhida por quantos vieram depois.
O depoimento de Bento Teixeira português, natural do Porto, perante o Santo Ofício, em Olinda, eleva-o muito acima da carreira comum dos outros depoentes, pelos conhecimentos que revela das letras sagradas e profanas, e das doutrinas do Talmud e da Cabala, que procurou contrariar com o livro dos Símbolos de Frei Luís de Granada, e com os tratados do bispo Jeronymo de Osório, De Gloria et Nobilitate Cirile et Christiana.
Que podia traduzir os Salmos, que declarava a Bíblia de latim em linguagem, que lia a Diana, de Jorge de Montemor, que era homem ladino, discreto, espirituoso e muito versado na ciência do latim e em outras, bem como no conhecimento da História Sagrada, e que frequentava a escola do colégio dos jesuítas e a do Colégio de São Bento, sempre como simples aluno e freqüentador; é também inexplicável que um cristão-novo da sorte do acima declinado, para mais se firmar a sua verossimilhança, fosse vítima da fúria inquisitorial.
Bento Teixeira foi o mais popular dos poetas da primeira metade do século XVII; e há livros na língua espanhola de autores contemporâneos seus, em que lhe é reconhecido um lugar honroso.
Esses autores traduziram os versos de Teixeira para o espanhol, e seus escritos são recomendados por distintos críticos, como as produções que são da mais alta qualidade.
Em 1647, a Companhia das Índias Ocidentais, de acordo com os Estados Gerais, cogitou enviar novamente Nassau a Pernambuco, com um grande reforço de tropas destinado a dominar a rebelião pernambucana.
Essa expectativa alarmou Sousa Coutinho, que, por intermédio de Gaspar Dias Ferreira, conseguiu uma conferência secreta com o conde no bosque de Haya, às dez horas da noite, em uma chuva torrencial.
Posteriormente, através do mesmo intermediário, Sousa Coutinho ofereceu um milhão de florins se Nassau negociasse um acordo que incluísse Portugal em uma trégua ampla, e quatrocentos mil florins se não fosse possível.
A promessa influenciou Nassau, que, para atender ao objetivo de Sousa Coutinho, não se recusou totalmente a aceitar a proposta da Companhia e dos Estados, mas exigiu tanto que se compreendeu que ele estava se eximindo.
Nassau buscava os mesmos ordenados que viriam na Holanda, quinhentos mil florins para pagar suas dívidas e se retirar, além de nove mil homens fornecidos pelos Estados e três mil pela Companhia, com a gente de mar necessária e socorros subsequentes.
Na Holanda, Gaspar Dias Ferreira conseguiu uma carta de naturalização como súdito dos Estados Gerais.
Contudo, ao rebentar a sublevação pernambucana, ele foi suspeito de conivência com os rebeldes e comprometido por cartas interceptadas, escritas a um tio seu, Diogo Cardoso, residente em Sevilha, a Mathias de Albuquerque e outras pessoas.
Preso, foi condenado, em maio de 1646, a sete anos de prisão, banimento perpétuo ao cumprir a pena e a uma forte multa pecuniária. Gaspar Dias Ferreira conseguiu fugir da prisão, com chave de ouro, em agosto de 1649.
Os Estados publicaram editais oferecendo um prêmio de seiscentos florins a quem denunciasse e trouxesse Gaspar Dias Ferreira, descrito como “homem de estatura um tanto baixa, grosso de corpo, de rosto moreno, e de mais de cinquenta anos de idade.”
Antes de fugir, Gaspar Dias Ferreira havia escrito a Epistola in carcere, que foi divulgada pela imprensa e é um dos documentos interessantes da época. Em 1645, ele redigiu um largo memorial endereçado a D. João IV, recomendando a compra de Pernambuco dos holandeses.
O rei mandou o memorial examinar pelo seu conselho. Sobre esse memorial, o padre Antonio Vieira escreveu o famoso parecer chamado Papet-Jorte, datado de Lisboa, 14 de março de 1647, no qual aconselhava a oferta de três milhões de cruzados, em prestações anuais de quinhentos e seiscentos mil, em troca da devolução dos territórios ocupados pelos holandeses no Brasil, Angola e São Tomé.
No final de 1652, Gaspar Dias Ferreira estava em Lisboa, de onde escrevia a Francisco Barreto, Felippe Bandeira de Mello e Fernandes Vieira, buscando ser indicado como procurador de Pernambuco perante D. João IV.
Quando os holandeses foram finalmente expulsos de Pernambuco, o Conselho Supremo de Recife pediu ao general Francisco Barreto que permitisse aos judeus permanecerem no Brasil até a liquidação final de seus negócios.
Barreto indeferiu o pedido, alegando que, uma vez expirado o prazo de três meses concedido aos holandeses para embarcarem para a Holanda, não poderia impedir que o vigário geral tomasse os judeus portugueses e os entregasse à Inquisição.
A maioria dos judeus em Pernambuco e nas demais capitanias submissas era composta por portugueses que emigraram de Portugal para a Holanda nas sucessivas perseguições.
Os judeus embarcados para a pátria no prazo marcado permaneceram pouco tempo lá.
Acostumados ao clima dos trópicos e aos trabalhos da agricultura, decidiram estabelecer-se na América.
Na época, havia uma mania de fundar colônias no Novo Mundo. Aproveitando a situação, o judeu David Nassy, com sua família e muitos companheiros, solicitou e obteve da Assembleia dos XIX, em 1657, o privilégio de formar uma colônia na ilha de Guiana, chamada Patroa Útil.
Hostilizada pelos franceses que se estabeleceram na terra firme, a colônia judaica foi obrigada a buscar refúgio em outra parte, mudando-se para Surinam.
Em Surinam, os judeus de Pernambuco encontraram seus correligionários vindos da Inglaterra, que na época possuía aquela parte da Guiana.
Quando, em 1667, por ocasião da paz de Breda, o território ficou para a Holanda, muitos judeus preferiram sair com os ingleses para a Jamaica. Jacob Josué Bueno Henriques e Benjamim Bueno Henriques são nomes conhecidos na ilha.
Em Barbados, judeus já estavam presentes desde 1656. Nesse ano, lhes foi concedido o direito de viver lá com as regalias dos demais estrangeiros. Cromwell protegia essa emigração e, parece, foi ele mesmo quem a promoveu, enviando em missão especial àquela colônia os hebreus Abraão Mercado e um filho, em 1655, sendo o primeiro médico de profissão e também negociante.
Historiadores economistas atribuem a essa emigração do Brasil a difusão da indústria açucareira em outras partes da América Tropical.
O médico ou boticário Abraão Mercado viveu algum tempo em Pernambuco e foi ele quem levou ao Conselho de Recife a denúncia anônima da conspiração pernambucana contra o domínio holandês.
Nomes portugueses podem ser encontrados entre os antigos habitantes de New York, Philadelphia, New Haven e outras localidades, provavelmente levados pelos judeus expulsos de Pernambuco.
No século XVIII, o centro de atividade dos judeus deslocou-se para o Sul do Brasil. Rio de Janeiro foi o local preferido, embora, como as demais cidades brasileiras, não estivesse isento das terríveis perseguições das autoridades eclesiásticas, sempre vigilantes pela pureza da fé católica.
Não houve mais visitas especiais ao Brasil, mas os bispos tinham a comissão do inquisidor-mór para prender e processar aqueles que incorressem em culpas de judaísmo e outras infrações, remetendo-os depois ao tribunal da Inquisição em Lisboa.
O historiador Varnhagen atribui ao bispo D. Frei Francisco de São Jerônimo o impulso para as perseguições aos cristãos-novos no Rio de Janeiro no início do século.
Essa afirmação, porém, carece de fundamento. J. Lúcio de Azevedo, em seu artigo Judaísmo no Brasil (na Revista do Instituto, tomo 91), contesta a afirmação, indicando que era de Lisboa, do palácio dos Estaus, onde a Inquisição centralizava seus terrores, que se despedia o raio para atingir os apóstatas no além-mar.
Em 1707, no auto de 6 de novembro, Teresa Barrera, de 20 anos, natural de Olinda, filha de pais castelhanos, inaugurou a série de brasileiros condenados. Ela viera de Lisboa há seis anos e os fatos que motivaram sua prisão em Lisboa ocorreram lá.
No auto seguinte, de 30 de junho de 1709, pela primeira vez apareceram em número delinquentes trazidos do Brasil, um dos quais foi sentenciado à morte, cinco da Bahia e sete do Rio de Janeiro.
As perseguições aumentaram de forma espantosa, ao ponto de, de 1707 a 1711, haver anos em que mais de cento e sessenta pessoas foram presas, incluindo famílias inteiras, sem exceção das crianças.
Monsenhor Pizarro, nas Memórias do Rio de Janeiro, transcreve uma carta de testemunha ocular sobre a invasão francesa de 1711, na qual se lê um trecho relevante: “Esquecia-me de dizer-lhe a quantidade de gente que se havia preso pelo Santo Ofício, que julgo passar de cem pessoas; e por não individualizá-las, digo que é o resto dos cristãos-novos que V. S. conhecia; os quais, com a invasão, foram buscar sua vida e ainda andam espalhados, e andarão, até haver navios e ocasião.
Não irá nela José Gomes da Silva e os filhos, porque quando o general francês saiu do Colégio (que foi a sua moradia), se abraçou com uma bandeira, dizendo: — Que aquela bandeira de el-rei de França lhe valesse — e com efeito foi com eles.”
O ano de 1713 teve o maior contingente de pessoas do Brasil condenadas pelo Santo Ofício: foram trinta e dois homens e quarenta mulheres do Rio de Janeiro. No auto desse ano, de 9 de julho, D. Ventura Isabel Dique, religiosa professa no convento de Odivellas, de 26 anos, natural do Rio de Janeiro, abjurou por culpas de judaísmo. Após as penitências, ao regressar ao convento, as outras freiras se rebelaram contra sua presença e, como seus protestos não foram atendidos, saíram em cruz assada, abandonando a clausura.
O caso subiu à resolução real, que foi desfavorável às rebeldes, que foram obrigadas a voltar ao convento com ódio contra a vítima de seus escrúpulos religiosos.
O pai da freira, João Dique de Sousa, de 67 anos, senhor de engenho, morador no Rio de Janeiro, foi condenado à morte por convicto, negativo e pertinaz, no auto de fé de 14 de outubro de 1714; três irmãos, Fernando, Diogo e Luis Dique de Sousa, também foram sentenciados pelo Santo Ofício.
É notável o número de senhores de engenho do Rio de Janeiro que foram enviados para Lisboa e depois condenados pela Inquisição, variando de abjuração em forma, cárcere e hábito perpétuo ou a arbítrio, até a relaxação, ou seja, a entrega à justiça secular para pena de morte na fogueira.
Nesse número estão, somente no auto de 1713, os seguintes: Pedro Mendes Henriques, Manuel Cardoso Coutinho, Luis Alvares Monte-Arroyo, José Corrêa Ximenes e sua mulher Guiomar de Azevedo, seu irmão João Corrêa Ximenes e sua mulher Brites Paredes, João Rodrigues Calassa e sua mulher Magdalena Peres, Diogo Duarte de Sousa, Isabel da Silva, viúva de Bento de Lucena, Isabel Cardosa Coutinho, filha de Balthazar Rodrigues Coutinho e sua mãe Brites Cardosa, entre outros.
Um contemporâneo ilustre, D. Luis da Cunha, em seu Esforço Político (citado por J. Lúcio de Azevedo), atribuía essas perseguições aos senhores de engenho a intenções de cobiça, pois as propriedades eram confiscadas aos réus da Inquisição em benefício do tribunal.
No mesmo auto de fé de 1713, foi sentenciado a seis anos de galés Abraão, ou Diogo Rodrigues, vulgarmente chamado Dioguinho, de 49 anos, natural da vila de Vidaxe, no reino da França e residente na cidade da Bahia, por se fingir cristão batizado e receber os sacramentos da igreja.
Em 1726, o tribunal do Santo Ofício condenou a ser relaxado em carne o padre Manuel Lopes de Carvalho, sacerdote do hábito de São Pedro, de 44 anos, natural da Bahia, “convicto, pertinaz e professo da lei de Moisés e outros erros.” Em 1729, igual sorte teve João Thomaz de Castro, de 31 anos, médico, filho de Miguel de Castro Lara, advogado, natural do Rio de Janeiro, “convicto, fixo, falso, simulado, conflitente, diminuto e impenitente.”
Na mesma ocasião, foi queimado em estátua, por ter tido a fortuna de aparecer defunto nos cárceres, Braz Gomes de Siqueira, mercador, natural da vila de Santos e morador na capitania do Espírito Santo, “convicto, negativo e pertinaz.”
O caso do extraordinário poeta Antônio José da Silva, uma encarnação perfeita de Gil Vicente no século XVIII, é bem conhecido e não necessita de maiores explanações.
Domingos José Gonçalves de Magalhães, o futuro visconde de Araguaya, dedicou-lhe um drama — O Poeta e a Inquisição. Todos os historiadores da literatura luso-brasileira encheram páginas com as desditas de Antônio José da Silva, de seu pai, o advogado João Mendes da Silva, de sua mãe e de seus irmãos, todos sacrificados ao furor religioso dos Torquemadas do palácio dos Estaus.
A Inquisição de Lisboa, de 1700 até 1770, celebrou setenta e seis autos de fé; o de 1767 foi o último a sentenciar pessoas vindas do Brasil, principalmente do Rio de Janeiro.
Em 1773, por uma lei de 25 de maio, devida ao grande Pombal, foi extinta definitivamente a separação entre cristãos-novos e cristãos-velhos, declarando aqueles aptos para quaisquer postos e honras, como os demais portugueses.
A lei proibiu o uso público ou particular da designação depreciativa em referência às pessoas de origem hebraica, estabelecendo penas de açoites e degredo para os contraventores se fossem peões; perda de empregos ou pensões, se nobres; e extermínio do reino, quando eclesiásticos.
Outra lei, de 15 de dezembro do ano seguinte, ampliou a anterior, com a abolição da infâmia atribuída aos que prevaricavam na fé.
Segundo essa disposição, os apóstatas que confessassem o delito e fossem reconciliados no Santo Ofício não ficariam com mácula, nem inaptos para dignidades e ofícios, e muito menos seus descendentes.
A infâmia era compreendida somente aos condenados à morte, impenitentes, sobre os quais recaía a pena de confiscação — o que era amplamente aplicado, pois o produto do confisco deveria pertencer aos inquisidores.
No Brasil, apesar das prevenções, a verdade é que o sangue israelita sempre se misturou com o sangue cristão, mesmo nas famílias de presumida nobreza, como mais de um caso ficou assinalado neste resumido estudo.
Decorridos mais de século e meio da promulgação das leis pombalinas, o elemento judeu pode considerar-se completamente absorvido na grande massa da população brasileira.
Se ainda existem alguns leves resquícios de sua intromissão, estes se manifestam apenas por características somáticas mais ou menos pronunciadas, por sobrevivências de certos hábitos e costumes, ou por pendores atávicos para determinadas profissões.