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A jararaca-ilhoa vive exclusivamente na Ilha da Queimada Grande, também conhecida como a ilha das cobras.
A jararaca-ilhoa é uma serpente sui generis, adaptada a vida arborícola ou semi arborícola, o que se reflete em diversos aspectos de sua morfologia e comportamento.
Existem mais de 30 espécies de cobras jararacas catalogadas.
A formação das ilhas costeiras do litoral do sudeste se deu a partir da última era glacial. Estas estavam ligadas ao continente cerca de 17.000 anos atrás, quando o mar estava 110m abaixo do nível atual.
Com o fim da glaciação as espécies que permaneceram ilhadas entraram em processo de especiação por deriva genética ou endogamia.
Assim, estes locais se tornaram espaços únicos por abrigarem espécies endêmicas, como a jararaca-ilhoa (Bothrops insularis).
Ilha da Queimada Grande
A ilha da Queimada Grande está situada a cerca de 30 km da costa sul de São Paulo, nas vizinhanças de Itanhaém e Peruíbe.
A maior parte dos seus 430 mil m2 é coberta pela mata atlântica, mas há gramíneas em algumas áreas alteradas pelo homem.
A ilha da Queimada Grande tem sua maior porção de superfície acima da cota de 50m, com o ponto mais alto – Pico da Boa Vista – a 210 m acima do nível do mar. Não existem praias na ilha e a fonte de água doce é de difícil acesso.
No passado, havia moradores na ilha, para manter funcionando um farol de sinalização marítima, mas o farol atual é automático.
O nome “Queimada Grande” não é à toa, já que a própria Marinha ateou fogo diversas vezes na Ilha por medo das serpentes. A prática ocorreu por alguns séculos na tentativa de acabar com a população excessiva de cobras. As queimadas eram grandes e diversas vezes podiam ser avistadas do continente.
Ilha da Queimada Pequena
A ilha da Queimada Pequena também pela ilha da Queimada-Pequena que também faz parte da Unidade de Conservação. A ilha é bem menor e não tem cobras.
A ilha é quase pura rocha com um resto de mata atlântica no topo. A ilha tem lindos costões e bandos de trinta- réis descansando.
Várias aves marinhas frequentam a ilha da Queimada Grande
- a fragata (Fregata magnificens)
- o gaivotão (Larus dominicanus)
- o trinta-réis (gênero Sterna)
- principalmente, o atobá (Sula leucogaster), que faz ninhos ali
Além das aves marinhas, cerca de 30 espécies de pássaros, a maioria migratórias, são avistadas na ilha da Queimada Grande em certas épocas do ano.
Pássaros, morcegos, vertebrados e serpentes encontrados na ilha da Queimada Grande
Não há mamíferos terrestres na ilha.
Pássaros
- corruíra (Troglodytes aedon)
- cambacica (Coereba flaveola)
morcegos
- Nyctinomops laticaudatus
- Nyctinomops macrotis
Anfíbios
- Scinax aff. Perpusillus
- Eleuterodactylus aff. binotatus
Lagartos
- Colobodactylus Taunay
- Hemidactylus mabouia
- Mabuya macrorhyncha;
Anfisbenídeos (répteis subterrâneos)
- Amphisbaena hogei
- Leposternon microcephalum
Serpentes
- dormideira (Dipsas albifrons)
- jararaca-ilhoa (Bothrops insularis).
Estudos sobre a jararaca-ilhoa
A jararaca-ilhoa (Bothrops insularis) foi descrita em 1921 pelo herpetólogo Afrânio do Amaral (1894-1982), do Instituto Butantan.
Em 1959, o zoólogo belga Alphonse R. Hoge (1912-1982) e colaboradores, também do Butantan, relataram a presença em várias fêmeas do órgão copulador do macho (hemipênis), com tamanho reduzido, e as chamaram de intersexos.
Sabe-se agora que são fêmeas verdadeiras e o órgão é denominado hemiclitóris. Esses mesmos pesquisadores também coletaram um exemplar hermafrodita (com aparelho reprodutor masculino e feminino) da jararaca-ilhoa.
Origem da jararaca-ilhoa
No continente, a espécie mais aparentada à jararaca-ilhoa (Bothrops insularis) é a jararaca comum (Bothrops jararaca) habitante da mata atlântica.
As duas espécies de cobras são facilmente distinguidas pelo padrão de coloração, apresentando ainda outras diferenças.
Um modelo para explicar a diferenciação entre a jararaca-ilhoa e a do continente é a especiação alopátrica.
Segundo esse modelo, duas populações separadas por alguma barreira geográfica podem sofrer diferenciação ao longo do tempo, tornando-se espécies distintas. Um cenário desse tipo pode ter dado origem à jararaca-ilhoa.
O nível do mar sofreu oscilações no período Quaternário, criando em vários momentos passagens secas entre a ilha e o continente.
Possivelmente, em um desses momentos havia apenas uma espécie ancestral de jararaca. Com a elevação do nível do mar, uma população teria ficado isolada na ilha, diferenciando-se na jararaca-ilhoa, e a população restante teria originado a espécie do continente.
Hábitos diferentes da espécie jararaca-ilhoa
A ilha da Queimada Grande apresenta uma das maiores densidades populacionais de serpentes conhecidas no mundo.
Não há estimativas precisas da população total de jararacas-ilhoas, mas alguns cálculos indicam um número entre 2 mil e 4 mil.
A densidade da espécie na ilha é tão grande que em apenas um dia é possível encontrar até 60 dessas serpentes.
No continente, em contraste, estudos realizados na mata atlântica nos últimos 15 anos encontraram no máximo três jararacas comuns por dia.
A superpopulação de jararacas-ilhoas na ilha da Queimada Grande pode decorrer da quase ausência de predadores de serpentes e da grande disponibilidade de alimento.
Em várias espécies de jararacas do continente, incluindo a comum (Bothrops jararaca), os indivíduos jovens têm hábitos arborícolas, mas os adultos são quase exclusivamente terrestres.
Já os adultos da jararaca-ilhoa são com frequência encontrados sobre árvores e arbustos, mas também utilizam o chão da mata.
Afrânio do Amaral afirmou que, além de ser mais arborícola, a jararaca-ilhoa é diurna e que as duas características estariam relacionadas à sua alimentação.
Ao contrário da maioria das jararacas do continente, cujos adultos se alimentam principalmente de roedores, a dieta de adultos da jararaca-ilhoa é baseada em pássaros.
A necessidade de uma nova dieta, já que não há pequenos mamíferos terrestres (roedores, marsupiais) na ilha, fez com que, ao longo das gerações, a atividade diurna e o hábito arborícola se tornas sem vantajosos (ao favorecer a captura de aves) e fossem naturalmente selecionados na população de jararacas-ilhoas.
Jararacas-ilhoas adultas, porém, também capturam aves no chão, e para isso podem se concentrar sob árvores frutíferas, locais visitados por pássaros. Lacraias, rãs, pererecas, lagartos e até a outra serpente que ocorre na ilha (a dormideira, Dipsas albifrons), parecem ser as presas principais dos jovens e, ocasionalmente, de adultos.
Pássaros mais apresados pela jararaca-ilhoa são
- sabiá-una (Platycichla favipes)
- tuque (Elaenia mesoleuca)
- coleirinha (Sporophila caerulescens)
Os dados publicados por Amaral e os obtidos em expedições recentes à ilha indicam que apenas pássaros migratórios são usados como alimento pela jararaca-ilhoa.
A corruíra, pássaro residente e muito abundante na ilha, parece ter aprendido a evitar o ataque da serpente, segundo nossas observações preliminares.
Além da mudança parcial do chão para as árvores, outra característica da jararaca-ilhoa parece decorrer da especialização alimentar: a ação do veneno, cinco vezes mais potente para matar uma ave que o da jararaca comum.
O modo como a jararaca-ilhoa lida com aves também é diferente do modo como a jararaca comum lida com roedores.
Ao picar um roedor, a jararaca comum solta o roedor de imediato, pois uma mordida do animal poderia feri-la gravemente.
Depois, ela acompanha a trilha de cheiro até achar a presa, já imobilizada pelo veneno.
A jararaca-ilhoa, ao contrário, retém na boca a ave capturada até o veneno matá-la. Se fosse solta, a ave voaria até que o veneno fizesse efeito e, assim, não deixaria trilha de cheiro no chão.
Além disso, o bico e as garras de uma ave não representam um risco de ferimento tão grande quanto os dentes de um mamífero.
Um aspecto evidente na coloração da jararaca ilhoa é a ponta da cauda, escura nos adultos e nos jovens.
Em diversas espécies de jararacas continentais, a extremidade da cauda dos jovens é contrastante (claro ou escuro) com a cor do resto do corpo.
Se um anfíbio ou lagarto passa perto de uma serpente jovem em busca de alimento, esta imita, com a ponta da cauda, os movimentos de uma larva de inseto. A ‘falsa larva’ atrai a presa e facilita sua captura.
Como a jararaca-ilhoa alimenta-se de aves – que também apresam larvas de insetos –, é possível que também utilize essa estratégia de caça.
A jararaca-ilhoa parece acasalar-se entre março e julho, e os filhotes nascem nos primeiros meses do ano.
A taxa de natalidade parece ser baixa, pois uma ninhada de jararaca-ilhoa raramente ultrapassa 10 filhotes, enquanto a da jararaca comum pode chegar a 30.
Além disso, poucas fêmeas prenhes foram registradas durante os estudos na ilha.
Expedições recentes indicam que juvenis são encontrados com maior frequência durante a noite, hábito que deve ter sido favorecido pela atividade noturna de suas principais presas (anfíbios e lacraias).
Graças ao isolamento, a jararaca-ilhoa tem hoje características biológicas próprias, que a diferenciam de outras espécies de jararacas.
Jararaca-de-alcatrazes – História parecida
Outra jararaca – encontrada na ilha dos Alcatrazes – pode ter origem semelhante.
A jararaca-de-alcatrazes (Bothrops alcatraz) vive apenas na ilha dos Alcatrazes, também situada a 30 km da costa, mas no litoral norte de São Paulo.
Como já ocorreu com a jararaca-ilhoa (Bothrops insularis), essa outra jararaca está sendo reconhecida como uma espécie distinta.
Provavelmente sua origem é semelhante à da jararaca-ilhoa, mas sua dieta – em na ilha de Alcatrazes também não há mamíferos terrestres – não se voltou para as aves.
A jararaca-de-alcatrazes adaptou-se ao consumo de lacraias e lagartos, como os filhotes da jararaca do continente.
Essa adaptação incluiu a redução do tamanho dessa serpente e mudanças em seu veneno (também semelhante ao dos filhotes de Bothrops jararaca).
Portanto, a jararaca-de-alcatrazes pode ser considerada uma jararaca-anã, na qual algumas características juvenis foram retidas nos adultos (fenômeno denominado pedogênese).
Como a jararaca-ilhoa, a jararaca-de-alcatrazes também sofre risco de extinção, em especial por ocorrer em apenas uma ilha e em baixa densidade.