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Os indios Pataxós estão concentrados em aldeias há pelo menos 150 anos, esse grupo indígena ocupa o litoral baiano na costa do descobrimento, que vai desde Belmonte e Santa Cruz de Cabrália, ao norte, passando por Porto Seguro e Monte Pascoal, até Prado, ao sul.
No século XX, os Pataxós sofreram um grande processo de aculturação e foram colocados à margem da sociedade.
Os resultados foram a invasão de seus territórios e a perda quase total de sua cultura – um processo intensificado, principalmente com a implantação de grandes fazendas de pecuária.
Será que existe alguma novidade em uma região tão conhecida e explorada turisticamente como Porto Seguro?
Não é exatamente algo novo, pois está lá há séculos, mas pode-se considerar uma redescoberta do ecoturismo pra aqueles que gostam de estar mais perto de um Brasil natural e sustentável.
Porto Seguro na Bahia é uma cidadezinha tão turística que só de ouvir falar já nos vêm à memória: carnaval, axé, grupos de excursão (que, aliás, são muitos por lá) e muita, muita gente a cada temporada.
Mas existe um outro lado de Porto Seguro que poucos conhecem.
Por enquanto… Um lado onde a história, a cultura e a identidade da região estão sendo recuperados.
Veja o mapa Costa do Descobrimento e Veja o mapa das praias de Porto Seguro
Bem antes do descobrimento do Brasil, a região Sul da Bahia, inclusive Porto Seguro, era praticamente toda ocupada por povos indígenas das etnias Pataxó, Maxacali e Botocudo.
Com o passar dos séculos, elas foram praticamente extintas por este turismo comercial que nós conhecemos hoje.
Atualmente, só restam poucos índios pataxós na região, mas eles já estão bem “aculturados” – como costumam falar – e vivem de maneira bem diferente dos índios mais antigos, seus ancestrais. Alguns documentos recentes elaborados por historiadores declaram, inclusive, o fim da etnia pataxó no Brasil.
Mas nossa equipe de reportagem foi conhecer um cantinho onde os próprios pataxós fazem um trabalho diário para resgatar a identidade de seu povo e provar o contrário.
Estamos falando da Reserva da Jaqueira, um dos poucos remanescentes de Mata Atlântica no Sul da Bahia, com uma área de 825 hectares – equivalente a 82 campos de futebol.
A história desse lugar é marcada pela luta dos índios pataxós pelo direito ao território historicamente ocupado por seus ancestrais.
De um lado, o interesse comercial sempre andou a passos largos, rapidamente. De outro, líderes pataxós buscavam a demarcação da Terra Indígena de Coroa Vermelha, município a poucos quilômetros de Porto Seguro.
Há 13 anos, a Reserva da Jaqueira, que faz parte de Coroa Vermelha, estava prestes a ser desmatada por um grupo imobiliário que estava grilando as terras em toda a faixa litorânea do Sul da Bahia.
Em 1997, os índios pataxós conquistaram parte das terras que sempre ocuparam. Coroa Vermelha foi decretada Terra Indígena por esforços conjuntos liderados pelo cacique da época.
Mas foi uma mulher, chamada Nitinawã Pataxó, que resolveu sair da cidade, onde eles já estavam vivendo, e voltar a viver como indígena.
Ela foi até a Reserva da Jaqueira junto com as duas irmãs e a mãe e, num ritual à terra em noite de lua cheia, decidiram morar ali como antigamente: em ocas, chamadas por elas de kijemes, com a vestimenta também usada pelos mais antigos – as mulheres de saia de palha e cascas de coco, e os homens apenas com as saias de palha –, além de fazer diariamente a pintura na pele, principalmente no rosto.
Para integrar as pessoas que foram deixando aos poucos a aldeia urbanizada de Coroa Vermelha (após o decreto, a aldeia de pataxós vive ainda principalmente do turismo), Nitinawã começou a resgatar os rituais fechados, onde eles cultuam os elementos naturais.
De volta à terra, principal garantia dos índios para poder ser quem são, eles percebem que os 825 hectares de Mata Atlântica não podem ser aproveitados como antigamente.
“Nós precisamos preservar este espaço. Decidimos não caçar, não pescar nem cortar as árvores”, conta Nitinawã. Mas, ao mesmo tempo, precisavam sobreviver.
Foi aí que surgiu a ideia de abrir a Reserva para o etnoturismo, que envolve o turismo cultural e ambiental.
“Essa é uma forma de a gente legitimar a nossa cultura, nossos costumes, nossa identidade e mostrar para o homem branco que nós podemos viver em harmonia, desde que todos se respeitem”, finaliza a líder indígena.
Chegar à Reserva realmente faz parecer que voltamos ao tempo em que os índios eram maioria naquela região.
Os passeios pelas trilhas ecológicas, guiados pelos próprios pataxós, mostram a riqueza de uma mata preservada e todos os poderes das plantas medicinais – geralmente usadas pelos pagés para curar suas tribos.
O visitante também ouve palestras sobre a etnia e acompanha o que os pataxós chamam de “ritual de integração com o homem branco”.
Ao final do passeio, que pode ser de uma ou duas horas, o turista experimenta um peixe assado na folha de patioba, uma espécie nativa da região.
Os passeios custam entre R$ 25,00 e R$ 35,00 por pessoa, pagos diretamente aos índios, não havendo intermediação de agências de viagem.
Para complementar a renda dos pataxós que decidiram retirar o mínimo possível da Mata Atlântica para preservar o pouco que resta na região, eles mesmos passaram a extrair a fibra da palmeira piaçava, aquela usada para fazer vassouras.
Antes, essa atividade não existia na região porque ela era ocupada por “homens brancos”, mas os índios sempre souberam fazer esse tipo de extrativismo.
Com a demarcação da terra, os pataxós descobriram o potencial do manejo das palmeiras que têm ali. Em uma parceria com o Instituto BioAtlântico, eles mapearam todos os pés de piaçava e chegaram a mais de 20 mil árvores.
“O plano de manejo vem para nos fortalecer e para aprendermos a extrair a fibra da piaçava de maneira que possamos trabalhar o ano inteiro com o material, o que antes não acontecia.
Estamos organizando um barracão dentro da Reserva da Jaqueira para beneficiar a fibra e fazer vassouras”, explica Aderno Pataxó, membro da aldeia e cunhado de Nitinawã.
Na Reserva da Jaqueira, a organização, a disciplina, a união e o respeito pelo território conquistado ajudam a manter a tradição da cultura pataxó. Se os índios não estivessem ali, provavelmente já teriam sido extintos.
Para organizar o trabalho de turismo, os próprios indígenas criaram a Associação Pataxó de Ecoturismo, em 1998. É um novo olhar e uma grande descoberta de uma região que já se mostrava saturada pelo turismo de grande porte.
Indios Pataxós na Costa do Descobrimento da Bahia