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Desde o início da colonização brasileira, Portugal buscou empregar a experiência obtida na produção de açúcar das ilhas de Madeira e Açores para implementar nas vastas terras brasileiras o ouro branco, como então era conhecido o açúcar, devido ao seu alto valor no mercado europeu.
A instalação oficial da manufatura açucareira no Brasil se deu após a divisão da colônia em capitanias hereditárias, em 1535.
Pernambuco foi a capitania mais próspera, tendo em poucos anos um rápido desenvolvimento com a produção de açúcar, algodão e tabaco para a exportação.
Seu rápido desenvolvimento se deve ao empenho e ao caráter empreendedor de seu donatário, Duarte Coelho, como também a fatores naturais favoráveis ao cultivo da cana: solo fértil, regime pluviométrico regular, clima quente úmido e localização geográfica estratégica, sendo a capitania mais próxima do mercado europeu.
Cabia ao donatário arcar com as despesas necessárias à colonização da capitania, auxiliar na defesa do território e pagar tributos à coroa. Por sua vez, o donatário, dentro de sua capitania, era a autoridade jurídica e administrativa e exercia o direito de doar terras (sesmarias) para quem tivesse recursos para instalar engenhos de açúcar.
“Foi a iniciativa particular que, concorrendo às sesmarias, dispôs-se a vir (ao Brasil) povoar e defender militarmente, como era exigência real, as muitas léguas de terras em bruto que o trabalho negro fecundaria” (FREYRE, 2006, p. 80)
Os colonos que recebiam sesmarias estavam subjugados a autoridade da coroa e do donatário, porém, nos domínios de suas terras, gozava de plenos poderes sobre seus familiares e escravos.
No período colonial “[…] ser proprietário rural e ainda senhor de engenho significava muito mais do que ter uma fonte certa de razoável renda.
Significava um título que no Brasil passou a valer como um atestado de nobreza.” (GOMES, 2006, p. 53).
O senhor de engenho era dono de terras, detentor de prestigio, riquezas e poder.
As terras onde estes homens abastados edificaram seus engenhos de açúcar lhes foram doadas em troca de lealdade à coroa portuguesa, pagamentos de impostos e apoio militar.
Além de atender a interesses econômicos, os engenhos de açúcar desempenhavam importante papel na defesa e domínio do território brasileiro.
Nos primeiros dois séculos de colonização grande parte dos engenhos eram edificados com torres de defesa, o que ressalta sua importância militar.
Veja História, Biografia e as Pinturas de Frans Post no Brasil Holandês
Para o cultivo de suas terras o senhor de engenho contava com trabalho de lavradores, homens livres sem recursos para instalar seu próprio engenho, que arrendavam dos senhores de engenho pequenas ou grandes porções de terras para o plantio e colheita da cana.
A maior parte da cana-de-açúcar moída nos séculos XVI e XVII era fornecida aos engenhos pelos lavradores que inicialmente tinham participação nos lucros, mas que no transcorrer dos séculos perderam esse privilégio.
Uma propriedade contém geralmente muito mais terras do que o dono possa gerir ou trabalhar […]. Essas sobras de terras dão lugar as habitações de povo livre, das classes pobres que vivem com o magro resultado do seu labor. […]
Nenhum documento é escrito mas o proprietário da terra autoriza verbalmente o morador a erguer sua casinha num terreno, habitando-o, […] e lhe permitindo cultivar […] (KOSTER, 1942, p.440)
A mão-de-obra escrava também foi bastante utilizada nos engenho de açúcar se destinando ao cultivo das terras não arrendadas, à produção do açúcar e a afazeres domésticos.
Nas primeiras décadas do período colonial, os senhores de engenhos não dispunham de recursos para importar escravos africanos, de modo que, a solução encontrada para suprir a escassez de mão-de-obra foi a escravização de índios.
“A percentagem de escravos índios envolvidos na produção de açúcar foi diminuindo na medida em que os senhores de engenho enriqueciam e podiam importar escravos africanos, menos ‘preguiçosos’ que os índios.” (GOMES, 2006, p. 58)
Os escravos negros foram, portanto, sendo introduzidos aos poucos na civilização do açúcar para somente nos séculos XVIII e XIX serem a principal mão-de-obra disponível.
A sociedade colonial no Brasil, principalmente em Pernambuco e no Recôncavo da Bahia, desenvolveu-se patriarcal e aristocraticamente à sombra das grandes plantações de açúcar […] (FREYRE, 2006, p. 79).
Nos séculos XVI e XVII, o modelo sócio-cultural do Brasil colônia, voltado para a produção do açúcar, tinha como célula básica de sua estruturação sócio-econômica os engenhos, unidades produtoras de açúcar, mas também de cultura.
“E foi em torno e no interior dessa unidade colonizadora que se forjou a identidade social luso-americana; uma identidade de caráter original, embasada na aprendizagem mútua entre brancos, escravos, senhores e cativos.” (TEIXERA, s/d, p. 2).
Quem já teve a oportunidade de vivenciar a cultura nordestina e, sobretudo, a pernambucana, observa ainda hoje a forte presença de valores oriundos da cultura colonial, marcada pelo sistema escravocrata, elitista e patriarcal.
O apadrinhamento, o coronelismo, o preconceito pelas pessoas de cor, a submissão feminina, a hospitalidade, a mistura de temperos na culinária e as festas religiosas são alguns exemplos dessa herança.
Mas, além dos costumes e tradições fortemente enraizados na cultura local, a civilização do açúcar deixou em Pernambuco registros materiais de excepcional valor histórico, artístico e paisagístico, sendo o engenho de açúcar o exemplo mais emblemático.
Os antigos engenhos de açúcar se constituíam de: residência do proprietário, usualmente chamada de casa-grande; capela para as atividades religiosas; habitação dos escravos, denominada de senzala; e fábrica para a produção do açúcar também chamada de moita e campos de cana.
Na maioria das vezes, eles também dispunham de horta, pomar, casa de farinha e criação de animais para garantir a subsistência de seus moradores.
O engenho era, portanto, uma unidade agro-industrial que, apesar de ter sua produção voltada para o comércio europeu, tinha uma estrutura física a qual minimizava ao máximo a necessidade de intercâmbios com núcleos urbanos, de forma que, seus moradores estavam voltados para dentro de seu universo sócio cultural.
O engenho de açúcar além de ser uma unidade produtora foi também um elemento estruturador da paisagem e da cultura pernambucana.
A estrutura física do engenho […] é composta por elementos distintos, que podem se alterar de acordo com a região e as condições sociais a qual pertence. Sobre isso Juliano CARVALHO (2005) chama a atenção para o fato de que “Tal conjunto arquitetônico reflete, em sua complexidade, uma série de aspectos da sociedade que o gerou: a estratificação social, as relações de produção, a tecnologia, o papel da religião, constituindo um microcosmo de seu tempo.” (FERREIRA, 2010, p.65)
Desde o início da implantação da agroindústria açucareira em Pernambuco, os engenhos de açúcar se instalaram, prioritariamente, na região da Zona da Mata.
A preferência, ainda atual, por esta região para o plantio de cana se deve aos seguintes fatores: sua proximidade com o porto do Recife; presença de vários cursos d’água na região, que possibilitam o transporte pluvial da produção de açúcar e o aproveitamento da energia hidráulica para a moenda da cana; e por ser uma região com árvores de médio e grande porte, as quais eram utilizadas como lenha nas fornalhas dos engenhos.
Com a contínua construção de novos engenhos de açúcar, durante todo século XVI, a produção do açúcar brasileiro só cresceu, estimulada pelo incentivo da Coroa e pela popularização do produto, chegando a suprir quase todo o mercado europeu.
Porém, em 1580, com o domínio espanhol sobre a coroa portuguesa, houve o aumento da taxa de imposto do açúcar brasileiro de 10% para 20%, no intuito de beneficiar a comercialização do açúcar produzido na ilha de Madeira, já explorada pelos espanhóis há várias décadas, o que não freou o crescimento da agro-indústria açucareira no Brasil.
Portugal delegava a distribuição do açúcar brasileiro no mercado europeu aos Holandeses, que obtinham grandes lucros com este acordo comercial.
Em 1605, ainda sob domínio espanhol, Lisboa teve seu porto fechado aos holandeses, os quais tiveram grandes prejuízos comerciais.
Em resposta, a empresa de mercadores holandeses, Companhia das Índias Ocidentais, tentou ocupar a Bahia e, sem obter sucesso, partiram para a capitania de Pernambuco.
Em 1630, os holandeses dominaram a cidade de Olinda. Porém o interior da capitania só foi sendo conquistado pouco a pouco, durante sete anos de batalhas, resultando na destruição de engenhos e canaviais.
Em 1637, o conde Maurício de Nassau foi enviado a Pernambuco com a missão de restabelecer a produção açucareira.
Para tanto ele concedeu favores fiscais, perdoou dívidas e importou escravos.
Maurício de Nassau também desprendeu grandes somas para a construção da “Cidade Maurícia” (atuais bairros de Santo Antonio e São José) incluindo construções requintadas a exemplo de pontes, teatros e palácios.
Maurício de Nassau também contratou os pintores holandeses Frans Post, Albert Eckhout e Zacharis Wagener para registrar a fauna, a flora e a arquitetura da “exótica” terra conquistada, sendo graças a esses artistas que se tem hoje o registro gráfico da paisagem pernambucana do século XVII.
Tomando por base as pinturas de Frans Post se pode deduzir que não há, no século XVII, um esquema muito rígido na implantação dos edifícios que compõem um engenho, porém, alguns esquemas sempre se repetiam: a casa-grande implantada numa meia encosta com a fachada voltada para a fábrica, a fábrica em um plano mais baixo e a capela em um nível igual ou superior a da casa-grande, reforçando sua importância simbólica.
Não há em tais pinturas o registro de senzalas, o que suscita duas possíveis possibilidades: os escravos habitarem o térreo ou o sótão da casa-grande ou terem permissão para construir casebres para a sua moradia. (Gomes, 1994)
Apesar dos seus inúmeros feitos, Maurício de Nassau só pode governar Pernambuco por sete anos.
Insatisfeita com a demora de um retorno financeiro, a Companhia das Índias Ocidentais destituiu Maurício de Nassau do comando da Capitania de Pernambuco, em 1644.
“No mesmo ano tem início a “Guerra da Restauração” cujo objetivo era a expulsão definitiva dos holandeses, o que só se concretizou 10 anos depois, em 1654.” (PIRES, 1994, p. 19).
Após tantos anos de guerra, a produção de açúcar em Pernambuco ficou comprometida com a destruição ou o abandono de engenhos e canaviais e a transferência de grande parte dos senhores de engenhos, juntamente com seus escravos e capital, para outras capitanias mais tranquilas e seguras, como a Bahia e Rio de Janeiro.
Além dos prejuízos provocados pela ocupação holandesa, houve outros fatores que no século XVII também contribuíram negativamente na produção açucareira: escassez de lenha para alimentar as fornalhas do engenho, concorrência com a produção de açúcar das Antilhas, surto de varíola, inundações e secas prolongadas.
Ao final do século XVII, a coroa portuguesa, já livre da dominação espanhola, incentiva no Brasil o desenvolvimento de novas atividades econômicas que pudessem se tornar mais lucrativas a exemplo do tabaco, na Bahia, e da mineração, em Minas Gerais.
Tal fato resultou no aumento dos custos da produção do açúcar em Pernambuco, uma vez que, os recursos financeiros e a mão-de-obra negra foram atraídos para outras regiões da colônia.
Contudo, “a partir de 1750, uma sucessão de acontecimentos na Europa e no Brasil reverteria a cadeia de crise, anunciando uma nova e resplandecente etapa de prosperidade para a economia brasileira.” (PIRES, 1994, p. 22).
A Inglaterra e a França entraram em guerra e, como consequência, a comercialização do açúcar andilhano, na época o maior concorrente do açúcar brasileiro, foi prejudicada.
No Brasil, a extração de minérios decaiu, propiciando antigos mineradores a investirem na agricultura.
Já no século XIX, a ocupação de Portugal pelas tropas de Napoleão e a transferência da corte portuguesa para o Brasil levando a abertura dos portos brasileiros, em 1808, também influenciou positivamente na comercialização do açúcar brasileiro.
Em 1817 chegou em Pernambuco a máquina a vapor, já utilizada nas Antilhas para aumentar a velocidade da moenda da cana-de-açúcar, trazendo benefícios à produtividade, mas também aumentando os custos na obtenção do maquinário para a produção do açúcar, o que determinou a fusão paulatina de vários engenhos e a concentração dos lucros da produção do açúcar.
Durante o século XIX, houve a construção de novas casas-grandes no campo e de requintados sobrados nas cidades para proporcionar conforto ao senhor de engenho e sua família.
Este volta a gozar do prestígio, pompa e poder de que dispunha no século XVI.
Os salões das casas-grandes são palco de festas, bailes e banquetes. É o tempo áureo das grandes e influentes famílias rurais pernambucanas.
A grande maioria dos exemplares arquitetônicos, que compunha o engenho de açúcar tradicional, ainda existente na atualidade, foi edificada justamente no século XIX, com a revitalização da agroindústria açucareira.
Segundo os textos do engenheiro francês Vauthier, que morou em Pernambuco entre 1840 e 1846, os engenhos pernambucanos, deste período, tinham seus edifícios distribuídos no terreno de modo a limitar, de forma descontínua, um pátio interno retangular.
Observa-se, por tanto, uma diferenciação no padrão de ocupação dos edifícios dos engenhos retratados pelos holandeses no século XVII dos que foram descritos por Vauthier. Estando, estes últimos, implantados no terreno de forma mais racional e ordenada.
Já no que se refere à tipologia das edificações e seus materiais e técnicas construtivas se diferenciam segundo seus usos.
A fábrica era edificada quase sempre em alvenaria de tijolo com a coberta em estrutura de madeira e telha cerâmica e tinha sua composição volumétrica, geralmente retangular, determinada por questões funcionais.
A senzala, do século XIX, era geralmente construída com matérias e técnicas construtivas pouco duráveis, como o pau-a-pique e o adobe, acarretando na sua rápida deterioração e, por consequência, na escassez de exemplares remanescentes nos dias atuais.
Ela era sempre térrea e sua planta extremamente simples composta por vários cubículos sem janelas, que raramente ultrapassavam 12m², dispostos lado a lado e interligados por uma porta ao único corredor de circulação.
A capela era a edificação do conjunto de maior esmero estético, sendo edificada com materiais construtivos nobres, a exemplo da alvenaria de tijolo ou de pedra.
Sua planta era bem singela, composta por nave central, altar mor, sacristia e, no segundo pavimento, o coro.
Além destes quatro elementos básicos a capela poderia ainda contar com alpendre, corredores laterais, púlpito, balcões e tribunas. Seu interior era ricamente ornamentado com pinturas, douramentos, madeira entalhada, imagens sacras, lustres, etc.
“Contudo, essa decoração não deve ser entendida como ostentação dos donos dos engenhos. Convém lembrar que, no campo, a vida social resumia-se aos ofícios religiosos e festas religiosas.” (PIRES, 1994, p. 37).
Já a casa-grande poderia ser suntuosa, construída com materiais nobres ou ser modesta, utilizando matérias pouco duráveis, a depender, normalmente da proximidade do engenho com a cidade. Sendo este próximo a um núcleo urbano, a casa-grande servia apenas para abrigar o senhor de engenho na época de moenda.
No resto do ano, juntamente com a família, ele residia na cidade. Porém, quando o engenho ficava afastado da cidade, a casagrande ganhava ares de palacete e era a principal, ou única, residência do senhor de engenho e sua família.
As casas-grandes construídas no decorrer do século XIX podem ser, segundo o arquiteto Geraldo Gomes, catalogadas em três tipos: bangalô, sobrado neoclássico e chalé.
O bangalô é um edifício de porte médio com um pavimento, podendo ter porão semi-enterrado, coberta com quatro águas e sua principal característica é o alpendre em forma de “U”que acompanha três fachadas do edifício.
O sobrado neoclássico é uma construção de grande porte com dois pavimentos, planta retangular, coberta com quatro águas.
O chalé, de médio porte, se assemelha ao bangalô, só que sua coberta é de duas águas com cumeeira perpendicular a fachada principal e podem ter alguma ornamentação ao gosto eclético, por surgir no meio rural apenas no fim do século XIX.
Neste período, a agroindústria açucareira passa por novo declive em decorrência dos seguintes fatores: a concorrência com o açúcar de beterraba que começa a ser produzido na Europa, o início de um novo ciclo econômico voltado para a produção do café, a abolição da escravatura em 1888, o início da industrialização do país e a queda do preço do açúcar de cana no mercado internacional.
Com o intuito de modernizar a produção do açúcar pernambucano, o governo imperial instalou na província, em 1884, quatro engenhos centrais.
Estes, de maiores dimensões que as fábricas dos engenhos tradicionais, possuíam um maquinário moderno, movido a vapor, capaz de produzir açúcar cristal.
Os engenhos centrais tinham a capacidade de produzir uma maior quantidade de açúcar a um custo mais baixo, porém não cultivavam a cana-de-açúcar que
moíam.
Esta continuava a ser fornecida pelos engenhos banguês (tradicionais).
Sob o ponto de vista da organização do espaço e da paisagem, o Engenho Central é o primeiro – e fatal – passo na desestruturação do universo açucareiro.
Com a transferência da atividade industrial (e de parte significativa do lucro) para a indústria, não somente as fábricas dos engenhos perderam sua razão de ser, mas cada unidade produtiva se enfraquece.
Se, antes, a existência de um micro povoado para cada engenho era indispensável, dada a grande quantidade de tarefas a serem realizadas, agora as fábricas, e com elas as olarias, poderiam ser desmontadas; não haveria mais necessidade de mão-de-obra especializada; o proprietário precisa ficar menos tempo no campo, e com ele, sua família, de forma que o edifício da casa-grande permanece mais simbólico que útil; e a diminuição da população diminui o sentido até da capela. (CARVALHO, 2009, p. 37).
Poucos anos depois da instalação dos Engenhos Centrais surgiram, por iniciativa de particulares, as usinas, que além de concentrarem a produção do açúcar e utilizarem técnicas industriais, também se encarregam do plantio e colheita da cana, agregando, assim, em seus domínios terras de antigos engenhos ou, em alguns casos, convertendo os engenhos em meros fornecedores de matéria-prima. As usinas foram aos poucos substituindo os engenhos centrais o que se deve, em parte, pela irregularidade no fornecimento de cana para a moagem.
Os senhores de engenho preferiam produzir aguardente, rapadura ou mesmo açúcar pelos velhos métodos do que fornecer cana para os engenhos centrais.
A Primeira República no Nordeste (1889-1930) pode ser caracterizada globalmente como um período de transição caracterizado pela substituição progressiva dos engenhos pelas usinas.
Em outros termos, esse período assiste no Nordeste à decadência progressiva da antiga aristocracia da canade-açúcar e o nascimento de novos setores ou grupos sociais, baseados no desenvolvimento do capital industrial e financeiro. (PERRUCI, 1978, p. 105).
Contudo, entendo a instalação dos engenhos centrais e posteriormente das usinas como um processo de modificação do universo açucareiro, e não de sua destruição.
A cultura está em constante transformação e tudo que está intimamente ligado a ela também, portanto, negar essas alterações pelas quais a paisagem cultural passa seria negar sua própria essência.
Entretanto, estas mudanças levaram ao abandono das edificações dos antigos engenhos e de práticas culturais (como festas religiosas, cantigas e danças de roda), alteração do parcelamento do solo em áreas rurais e alteração nas relações de trabalho no campo, que passaram de uma relação informal de arrendamento e moradia para um contrato temporário de trabalho assalariado.
Esta mudança nas relações trabalhistas no campo, com origem ainda na década de 1940, reflete na produção rural princípios capitalistas e industriais, onde o trabalhador perde a posse dos meios de produção lhe restando, unicamente, sua força de trabalho.
Os pequenos agricultores e os trabalhadores rurais são expulsos do campo para onde só retornam na época de colheita da cana, passando a serem denominados de bóias-frias.
Estas mudanças têm reflexos tanto no meio rural quanto no urbano: êxodo rural; ganho de áreas para o plantio de cana, anteriormente ocupadas por moradias e roçados; insegurança para o trabalhador rural que já não possui vínculo empregatício estável; surgimento do movimento dos Sem-Terra.
Durante todo século XX, o processo de expulsão dos pequenos agricultores do campo e de concentração da produção do açúcar em unidades fabris cada vez maiores, prosseguiu, na mesma proporção que a produção do açúcar nordestino cresceu.
Em 1975, esse processo foi acentuado pelo programa Pró-Álcool ou Programa Nacional do Álcool, que foi criado devido ao brusco aumento do preço do barril de petróleo em 1973 e em 1979, para estimular a produção e o consumo de álcool em substituição da gasolina.
Com este fim, o governo incentivou a ampliação das áreas de plantio de cana, a modernização e ampliação das destilarias existentes e a instalação de novas unidades produtoras e armazenadoras, além de fornecer subsídios aos usineiros para a produção do álcool ao invés de açúcar.
“As etapas na produção do açúcar e do álcool diferem apenas a partir da obtenção do suco, que poderá ser fermentado para a produção de álcool ou tratado para o açúcar.”
Proálcool
Cabe ao usineiro ponderar, a cada nova safra, qual dos dois produtos derivados da cana-de-açúcar oferece maior vantagem econômica, tomando por base seus preços no comércio internacional e os incentivos governamentais.
Na época da implantação do Pró-Álcool, o preço do açúcar estava em baixa no mercado, facilitando com isso a adaptação das usinas para a fabricação do álcool.
Rapidamente a frota brasileira de carros movidos a gasolina foi sendo substituída por carros de combustão a álcool; a produção de álcool no país atingiu o pico 12,3 bilhões de litros entre 1986 e 1987.
Porém, a partir de 1986, o preço do barril de petróleo baixou sensivelmente e se manteve estável, tornando o álcool um combustível pouco vantajoso tanto
para o consumidor quanto para o produtor.
Somado a este fator, no mesmo período o preço do açúcar subiu consideravelmente no mercado internacional, fazendo com que os usineiros priorizassem a produção do açúcar.
Outro fator, que também contribuiu fortemente para o enfraquecimento do Pró-Álcool, foi a crise de abastecimento pela qual o país passou na entressafra de 1989-90, desacreditando o programa diante das montadoras de carro e dos consumidores.
Apesar de efêmera, a crise, juntamente com a redução dos estímulos governamentais ao uso do álcool, provocou, nos anos seguintes, um significativo decréscimo da demanda e, consequentemente, das vendas de automóveis movidos por esse combustível, chegando ao ponto das montadoras não mais
venderem modelos novos movidos a álcool.
Entretanto, atualmente, a produção de álcool ganhou novo fôlego graças à tecnologia dos motores flex fuel, que funcionam com álcool ou gasolina, ou qualquer mistura dos dois combustíveis.
Essa tecnologia foi desenvolvida nos Estados Unidos e introduzida no Brasil em 2003, tendo rápida aceitação no mercado.
Hoje quase todos os modelos de automóveis são oferecidos pelas montadoras com a tecnologia flex.
Ao contrário de trinta e cinco anos atrás, quando se iniciou o Pró-Ácool, é a iniciativa privada que, atualmente, aposta na construção de novas usinas e no aumento da área de plantio de cana, tendo como base a crescente demanda do mercado consumidor e animadoras estimativas que apontam para o ano de 2010 uma demanda adicional de 10 bilhões de litros de álcool, além de 7 milhões de toneladas de açúcar (segundo estudo da Única).
“As perspectivas de elevação do consumo do álcool se somam a um momento favorável para o aumento das exportações do açúcar, e o resultado é o início de uma onda de crescimento sem precedentes para o setor sucroalcooleiro.” (PRÓÁLCOOL).
Após oito décadas da implantação das usinas de açúcar em Pernambuco, o perfil de sua agroindústria açucareira foi bastante alterado.
A modernização da produção açucareira no estado permitiu a manutenção desta atividade econômica, porém contribuiu, sensivelmente, para a degradação de seu patrimônio material vinculado a civilização do açúcar.
São raros os engenhos de açúcar banguês que se mantém de pé. A maioria deles foi demolida pelas usinas para aumentar a área de plantio de cana ou, simplesmente, foi abandonada se deteriorando com o tempo até chegarem à condição de ruína.
A mudança da estrutura sócio-econômica ransformou os engenhos em fazendas: de produtores de açúcar eles passaram a fornecedores de cana para as usinas.
Com o consequente desaparecimento da figura do “senhor de engenho” e o aparecimento do administrador, modificações foram-se introduzindo nas edificações dos engenhos.
A mudança do uso inevitavelmente acarretou em outras mudanças. O engenho não é mais um centro agroindustrial e a perda da importância que essa condição lhe conferia contribuiu decisivamente para o seu abandono pelos antigos proprietários.
A casa-grande encontra-se desabitada ou, em alguns casos, ocupada por moradores que concorrem para a sua descaracterização.
Pelas mesmas razões, a capela, quando existe, não funciona mais como templo religioso e a “moita” […] virou estrebaria ou depósito.
Raras as casas-grandes que ainda permanecem bem conservadas. Raríssimas as moitas que ainda conservam sua maquinaria típica. Paralelamente à mudança de uso, também o desinteresse, em parte fruto da desinformação acerca do valor desses sítios históricos, bem como as dificuldades financeiras dos atuais proprietários são responsáveis pelo aspecto decadente da maioria dos engenhos.
Sem falar no grande número dos que foram absorvidos pelas usinas, transformados em destilarias de aguardente ou divididos em pequenas propriedades e/ou simplesmente não existem mais. (PERNAMBUCO, 1982, p.10).