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Período Pré-Colonial no Brasil – Os Anos Esquecidos
1. Introdução
Neste capítulo iremos estudar o período pré-colonial, também conhecido como “os anos esquecidos” da colonização do Brasil.
Período Pré-Colonial no Brasil vai de 1500, com o “descobrimento” do Brasil, até 1531, com a chegada da “missão civilizadora” de Martim Afonso de Sousa.
Estes primeiros anos da história do Brasil são particularmente curiosos, pois os portugueses demonstraram muito pouco interesse pelo efetivo povoamento e pela colonização da colônia, preferindo investir no lucrativo comércio com o extremo oriente.
Foi uma época na qual os principais colonizadores eram traficantes, náufragos e degredados, além disso, foi um tempo de convívio pacífico com os nativos.
A principal atividade econômica, durante estes primeiros 30 anos, foi a extração do pau-brasil, também conhecido como “pau-de-tinta”.
Geralmente essa atividade era feita em parceria com os nativos que, em troca da extração das árvores na floresta, recebiam “quinquilharias”, tais como: espelhos, gorros, facas, machados, bijuterias, roupas, entre outros produtos manufaturados.
2. Falta de interesse de Portugal colonizar o Brasil
A abertura de uma rota marítimo-comercial com a Índia praticamente coincidiu com a “descoberta” do Brasil.
Por ser Portugal um país de escassos recursos e, além disso, ter um baixo índice demográfico, teve que optar em direcionar seus esforços de colonização para apenas uma das áreas geográficas.
Para piorar ainda mais a situação, não foram encontrados, em um primeiro momento, metais preciosos ou outros produtos que pudessem dar um sentido econômico para o povoamento e colonização das terras recém-descobertas.
É de conhecimento de todos que as terras brasileiras eram ricas em pau-brasil, madeira que era utilizada para a fabricação de um corante vermelho utilizado para o tingimento de tecidos. “Porém, o lucro a ser obtido com a exploração dessa madeira seria menor do que o vantajoso comércio de produtos africanos e asiáticos” (COTRIM, 1999, p. 58).
Segundo Caio Prado Júnior (1987, p. 12):
Com sua população pouco superior a um milhão de habitantes e suas demais conquistas ultramarinas da África e Ásia de que cuidar, pouco lhe sobrava, em gente e recursos financeiros, para dedicar ao ocasional achado de Cabral.
Como nos diz Boris Fausto (2007, p. 42):
As árvores não cresciam juntas, em grandes áreas, mas encontravam-se dispersas.
À medida que a madeira foi se esgotando no litoral, os europeus passaram a recorrer aos índios para obtê-la.
O trabalho coletivo, especialmente a derrubada de árvores, era uma tarefa comum na sociedade tupinambá. Assim, o corte do pau-brasil podia integrar-se com relativa facilidade aos padrões tradicionais da vida indígena.
Os índios forneciam a madeira e, em menor escala, farinha de mandioca, trocadas por peças de tecido, facas, canivetes e quinquilharias, objetos de pouco valor para os portugueses.
Assim, o “descobrimento” do Brasil não provocou em Portugal muito entusiasmo.
O Brasil aparece para os portugueses como uma terra virgem e exótica, lugar de morada de aves e animais estranhos, além de povoado por seres humanos estranhos ao olhar europeu.
- Nome: Caesalpinia Echinata (família leguminosae).
- Nomes indígenas: ibïrapitanga e arabutã.
- Distribuição: do Rio de Janeiro até o Rio Grande do Norte.
- Altura média de cada árvore: entre 10 e 15 metros.
- Tamanho e peso das toras: 1,5 metros e 30 quilogramas. Cada navio levava em média 5 mil toras para a Europa. Para derrubar e partir cada árvore: em torno de 4 horas, com machado de pedra e cerca de 15 minutos com machado de ferro.
- Distância de onde eram trazidas: em 1558, de 18 quilômetros da costa.
- Em 1890, a mais de 150 quilômetros.
- Árvores derrubadas: 70 milhões de pés. Foram mais de 3 mil toneladas por ano durante 3 séculos.
- Quanto valia o pau-brasil: um navio carregado com a madeira valia sete vezes menos do que o navio cheio de especiarias. Ainda assim, dava um lucro de 300% (BUENO, 2003, p. 35).
O Brasil aparece como uma terra cujas possibilidades de exploração e contornos geográicos eram desconhecidos.
Por vários anos, pensou-se que não passava de uma grande ilha.
As atrações exóticas – índios, papagaios, araras – prevaleceram, a ponto de alguns informantes, particularmente italianos, darem-lhe o nome de terra dos papagaios.
O Rei Dom Manuel preferiu chamá-la de Vera Cruz e logo de Santa Cruz.
O nome Brasil começou a aparecer em 1503.
Ele tem sido associado à principal riqueza da terra em seus primeiros tempos, o pau-brasil (FAUSTO, 2007, p. 42).
Em função disso, o interesse de Portugal por sua colônia americana foi muito pequeno nos primeiros 30 anos de colonização.
Os esforços portugueses foram limitados ao envio de algumas expedições destinadas ao reconhecimento da costa, além de combater as visitas de embarcações de outras nacionalidades, a esta iniciativa foi dado o nome de “expedições guarda-costa”.
3. Primeiras Expedições ao Brasil
- Expedição comandada, provavelmente, por Gaspar de Lemos (1501): explorou grande parte do litoral brasileiro e deu nome aos principais acidentes geográicos então encontrados (ilhas, cabos, rios, baías). Constatou-se a existência de grande quantidade de pau-brasil ao longo do litoral. Essa constatação foi atribuída ao navegador lorentino Américo Vespúcio, que fazia parte da expedição.
- Expedição comandada, provavelmente, por Gonçalo Coelho (1503): organizada em função de um contrato assinado entre o rei de Portugal e um grupo de comerciantes interessados na exploração do pau-brasil. Dentre eles, destacava-se o rico comerciante Fernão de Noronha.
- Expedições comandadas por Cristóvão Jacques (1516 e 1526): duas expedições foram organizadas para deter o contrabando de pau-brasil feito por outros comerciantes europeus, como os franceses. Eram as chamadas expedições guarda-costa. Essas expedições, porém, não conseguiram impedir o contrabando, devido à grande extensão do nosso litoral. FONTE: Cotrim (1999, p. 58)
Apesar de Portugal ter demonstrado pouco interesse pela colonização, nos primeiros 30 anos do descobrimento, muitos europeus fizeram contatos com os nativos, sendo que estes contatos foram relativamente saudáveis para ambas as partes. Este será o assunto a ser estudado no próximo item.
4. Náufragos, Traficantes e Degredados
Estudar os primeiros 30 anos da colonização do Brasil não é tarefa fácil, pois existem poucos estudos publicados sobre esse assunto. Um livro interessante se chama “Náufragos, Traficantes e Degredados” de autoria do jornalista Eduardo Bueno.
Esta obra procura analisar, como o próprio título sugere, estas três figuras sociais de origem europeia que, por razões diversas, acabaram convivendo com os índios brasileiros durante o período pré-colonial.
O período pré-colonial é o mais nebuloso da história do Brasil, como afirmamos anteriormente, pois existem poucos relatos sobre o assunto.
Nestas três décadas iniciais da colonização, muitos europeus foram abandonados pelos seus próprios conterrâneos em nosso território.
Essas pessoas eram degredados que foram condenados em Portugal a cumprir pena na colônia. Isso era comum, pois a metrópole possuía escassez de recursos humanos e aproveitava até mesmo os criminosos.
Além dos degredados, muitos náufragos e desertores, das mais diversas expedições, passaram a conviver com os nativos.
O convívio entre estes europeus e os índios, ocorreu praticamente em todo o litoral brasileiro.
Mais tarde, com a instituição do Governo Geral, em 1549, esses europeus seriam muito úteis para o estabelecimento de bases mais sólidas para a colonização do Brasil.
Segundo Eduardo Bueno (1998, p. 7):
Eram homens brancos que viviam entre os nativos: alguns tinham sobrevivido ao naufrágio de seus navios, outros haviam desertado.
Muitos haviam cometido algum crime em Portugal e foram condenados ao degredo no Brasil, outros tiveram a audácia de discordar de seus capitães e acabaram desterrados.
Vários estavam casados com as filhas dos principais chefes indígenas, exerciam papel preponderante na tribo, conheciam suas trilhas, usos e costumes, e intermediavam as negociações entre várias nações indígenas e os representantes de potências europeias.
Sua presença em pontos estratégicos do litoral seria decisiva para os rumos do futuro país.
Esses personagens individuais foram muito importantes para os primeiros anos da colonização, pois estavam muito bem integrados à cultura dos índios brasileiros.
Foram eles os responsáveis pelo conhecimento de diversos saberes indígenas, tais como: localização de reservas de pau-brasil, fontes de água, trilhas e caminhos indígenas, conhecimento da fauna e flora e do conhecimento da técnica de fabricação da farinha de mandioca.
Além disso, estes europeus mantinham um bom relacionamento com os chefes tribais. Em muitas tribos, eles acabaram casando com as ilhas dos próprios caciques. O fruto dessa relação com os índios acabou sendo muito benéfico para o futuro processo de colonização do Brasil.
Este aspecto acaba sendo uma ironia, pois as mesmas pessoas que eram condenadas como criminosas em Portugal, ou mesmo, desertoras na colônia, acabaram sendo consideradas pessoas importantes na colonização do Brasil.
O próprio rei escrevia cartas para estas figuras enigmáticas exaltando os seus feitos. Naquela época isso era considerado uma honra muito grande.
Uma dessas figuras foi Diogo Álvares, conhecido entre os nativos como Caramuru, que era português e naufragou nos baixios do rio Vermelho em 1509 ou 1510, na atual Salvador, capital da Bahia.
Caramuru recebeu uma carta do rei Dom João III, que lhe foi entregue por Tomé de Sousa, primeiro Governador Geral do Brasil, que foi, sem dúvida nenhuma, uma grande demonstração de reconhecimento e respeito.
Eduardo Bueno (2006. p. 41) apresenta, na íntegra, a carta enviada pelo rei D. João III.
Leia-a com muita atenção.
Eu ora mando Tomé de Sousa, fidalgo de minha casa, a essa Bahia de Todos os Santos, por capitão e governador dela, para a dita capitania, e mais outras desse Estado do Brasil, prover de justiça a ela e do mais que ao meu serviço cumprir; e mando que na dita Bahia faça uma povoação e assento grande e outras coisas do meu serviço: e por que sou informado, pela muita prática e experiência que tendes dessas terras e da gente e costumes delas, o sabereis bem ajudar e conciliar, vos mando que o dito Tomé de Sousa lá chegar, vos vades para ele, e o ajudeis no que lhe deveis cumprir e ele vos encarregar; porque farei nisso muito serviço.
E porque o cumprimento e tempo de sua chegada, a ache ele abastada de mantimentos da terra, para provimento da gente que com ele vai, escrevo sobre isso a Paulo Dias, vosso genro.
Procurem se haverem e os vades buscar (os mantimentos) pelos portos da capitania de Jorge de igueiredo (a vizinha Ilhéus). Sendo necessária vossa companhia e ajuda, encomendo-vos que o ajudeis (a Tomé de Sousa), no que virdes que cumpre, como creio que o fareis.
Como vimos, na leitura da carta anterior, figuras como Caramuru eram muito importantes para a futura colonização do Brasil. Para melhor entendermos esta questão, iremos introduzir um fragmento do livro “Náufragos, Traficantes e Degredados”, do jornalista Eduardo Bueno (1999, p. 8-9). Acompanhe.
Tão importante quanto eles foi, por exemplo, o misterioso Bacharel de Cananeia, primeiro grande traficante de escravos do Brasil e do qual nem mesmo o nome se conhece.
Mas há vários outros, cuja trajetória é ainda mais obscura.
O que dizer do intrépido Aleixo Garcia, que em 1524 marchou de Santa Catarina, com um exército particular de dois mil índios, para atacar as cidades limítrofes do Império Inca, a mais de dois mil quilômetros dali?
E de seus companheiros Henrique Montes e Melchior Ramires – desertores e polígamos – que, ainda assim, foram recebidos na corte pelos reis de Portugal e Espanha e se transformaram nos homens mais importantes na exploração do rio da Prata e do litoral sul do Brasil?
A lista de personagens assombrosos dos 30 primeiros anos do Brasil não se encerra com eles.
Resta ainda João Lopes de Carvalho, piloto português que foi desterrado no Rio em 1511 e, após ser recolhido pelos espanhóis, retornou ao Brasil em 1519 apenas para, dois anos mais tarde, ser abandonado em Bornéu, na Ásia, em companhia de seu ilho, garoto indígena de sete anos.
E o que pensar do grumete Francisco del Puerto, que viveu 14 anos entre os nativos do Prata e depois traiu o europeus que o recolheram, abrindo o portão de um forte para permitir que espanhóis e portugueses fossem massacrados pelos indígenas.
Esses são apenas alguns dos protagonistas dos 30 primeiros anos do Brasil – as três décadas perdidas.
Sua história pessoal, e a própria história de sua época, pode ser reconstruída a partir de cartas, referências esparsas encontradas em arquivos estrangeiros, diários de bordo e relatos de viagens.
A ausência de documentos oficiais tem diicultado a pesquisa sobre essa época e, na maior parte dos livros sobre a história do Brasil, o período que vai de 1500 a 1531 se reduz, em geral, a dois parágrafos.
Portanto, os náufragos e degredados tiveram papel importante nos primeiros cinquenta anos da colonização do Brasil.
4. Os Índios do Brasil eram Canibais ou Bons Selvagens?
A visão europeia dos índios oscilava entre dois extremos igualmente parciais.
Cristóvão Colombo e Pero Vaz de Caminha, por exemplo, os viram como belos e inocentes selvagens vivendo em estado quase endêmico.
Já o Frei Vicente de Valverde, que acompanhou a expedição de Pizarro na conquista do Império Inca, os considerava canibais ímpios e selvagens, merecedores de mil mortes.
Nada disso corresponde ou correspondeu à realidade.
É certo que algumas tribos indígenas (mas de forma alguma a maioria) eram canibais; entretanto o canibalismo que praticavam era ritual, em geral um gesto de respeito a um adversário bravo ou venerável.
O horror repetidamente registrado dos europeus a esse rito é ainda mais difícil de compreender se levarmos em conta que o principal rito católico, a comunhão ou eucaristia, no qual simbolicamente são consumidos o corpo e o sangue de Cristo, é igualmente um ritual de canibalismo.
Esse fato talvez ajude a compreender o atraso da mentalidade européia na época, a incapacidade de grande parte dos europeus de compreender outros conjuntos de referências, ou seja, outras culturas, para a avaliação de problemas morais.
E é talvez a única justiicativa para a selvageria que os “civilizados” europeus praticaram contra os que chamavam de selvagens.
Uma das ironias dos descobrimentos é exatamente a revelação do atraso europeu, especialmente ibérico, no exato momento em que a superioridade europeia sobre o mundo começou a ser afirmada.
Outra, é o papel de boa parte da Igreja espanhola, especialmente das ordens franciscana e dominicana, na defesa dos indígenas contra a exploração excessiva por parte dos colonizadores.
A Igreja da Inquisição, a defensora de absurdos dogmas científicos que, se respeitados, teriam impossibilitado os descobrimentos, tornou-se a primeira instituição a defender os índios, a reconhecer que tinham almas e eram “iguais” aos europeus, sem deixar, ao mesmo tempo, de desrespeitar constantemente o direito deles de divergir de suas normas.
Se os índios encontraram defesa na Igreja, já os escravos africanos eram considerados exclusivamente como mercadorias.
O frei dominicano Bartolomeu de Lãs Casas, um dos mais ardorosos defensores dos índios americanos, chegou a solicitar, numa carta ao prior da ordem, que fosse apressado o envio de escravos negros às colônias, para pôr fim às crueldades praticadas contra os índios.
De fato, desde 1512 os índios eram considerados cidadãos espanhóis, ainda que com direitos restritos; o mesmo não ocorria com os escravos negros, destituídos de quaisquer direitos.
FONTE: Migliacci (1997, p. 69)
5. Neste capítulo vimos que:
- Os primeiros trinta anos da história do Brasil foram de relativo abandono, pois, neste período, os portugueses não se interessaram pela colonização do Brasil, visto que o mesmo não apresentava possibilidade de lucros para a coroa.
- Nos primeiros trinta anos, apenas o comércio de pau-brasil forneceu algum lucro para Portugal.
- Neste período, foram organizadas algumas expedições guarda-costa, com o intuito de manter a posse da terra.
Veja os seguintes Períodos da História do Brasil Colonial:
- Independência do Brasil – Rompimento dos laços coloniais no Brasil
- Império Português no Brasil – Família Real Portuguesa no Brasil
- Transferência da corte portuguesa para o Brasil
- Fundação da cidade de São Paulo e os Bandeirantes
- Periodo de Transição entre o Brasil Colônia e Brasil Império
- Engenho Colonial Açucareiro no Brasil
- Monocultura, Trabalho Escravo e Latifúndio no Brasil Colônia
- Instalação do Governo Geral no Brasil e a Fundação de Salvador
- A Expansão Marítima Portuguesa e a Conquista do Brasil
- Ocupação da Costa Africana, das Ilhas do atlântico e a viagem de Vasco da Gama
- Expedição de Pedro Álvares Cabral e a Conquista do Brasil
- Período Pré-Colonial no Brasil – Os Anos Esquecidos
- Instalação da Colônia Portuguesa no Brasil
- Períodos da História do Brasil Colonial
- Períodos Históricos do Brasil