Império Português no Brasil – Família Real Portuguesa no Brasil

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Império Português no Brasil – Família Real Portuguesa no Brasil

1. Introdução

Nós vimos a influência das ideias revolucionárias nos principais movimentos de tendência libertadora na América Portuguesa.

Também estudamos determinados acontecimentos relacionados à vinda da Corte ao Brasil.

Neste capítulo iremos abordar o período em que Dom João VI permaneceu no Rio de Janeiro, cidade-capital do Império lusitano nos trópicos.

Jean-Baptiste Debret - Portrait of John VI of Portugal
Jean-Baptiste Debret – Retrato de João VI de Portugal

Este período, que vai de 1808 a 1821, é caracterizado por uma série de transformações socioculturais.

Foi marcado, de maneira geral, por um acelerado desenvolvimento social e urbano.

A cidade-sede do Império será nosso principal foco de estudos a partir de agora, pois foi no Rio de Janeiro que a família real se instalou, e imprimiu as principais alterações do Reino.

2. Transferência da capital de Lisboa para o Brasil

A transferência da capital do Brasil, de Salvador para o Rio de Janeiro, foi uma decisão estratégico-militar tomada pelo Secretário de Estado, o marquês de Pombal.

Em 1763, Sebastião José de Carvalho e Melo, que detinha os títulos de Conde de Oeiras e Marquês de Pombal, recebeu de Dom José I (sucessor de D. João V e antecessor de D. Maria e de D. João VI) a missão de administrar o Estado Português.

Marquês de Pombal, ao formar o gabinete de Dom José I, em 1750, procurou reforçar o Estado, de cuja solidez dependia o funcionamento do mercantilismo, e investiu no absolutismo monárquico como forma de sobrevivência de Portugal enquanto nação independente. […] Na colônia, o período pombalino caracterizou-se por grande opressão, típica do mercantilismo, mas também por uma preocupação com realizações administrativas.

Portugal era, em 1750, um país atrasado em relação à Inglaterra e França.

Mesmo assim, Pombal tinha como objetivo manter as possessões coloniais portuguesas, e limitar a presença inglesa no Brasil.

Dentre as reformas administrativas do marquês de Pombal, foram criadas as seguintes Companhias:

  • Companhia Geral do Comércio do Grão-Pará e Maranhão – 1755
  • Companhia Geral de Pernambuco e Paraíba – 1759

Segundo Boris Fausto (2007, p. 110):

A primeira companhia tinha por objetivo desenvolver a região Norte, oferecendo preços atraentes para mercadorias aí produzidas e consumidas na Europa, como o cacau, o cravo, a canela, o algodão e o arroz, transportadas com exclusividade nos navios da companhia.

Introduziu também escravos negros que, dada a pobreza regional, foram na sua maior parte reexportados para as minas de Mato Grosso.

A segunda companhia buscou reativar o Nordeste dentro da mesma linha de atuação.

Apesar das tentativas de reerguer o Império português, Pombal teve dificuldades para gerenciar a crise econômica causada pela queda do preço do açúcar, devido à já citada concorrência antilhana, e pela redução do volume de ouro retirado das minas interioranas.

Dentre as políticas pombalinas, a mais polêmica foi a expulsão dos jesuítas de Portugal e de suas colônias.

Pombal tinha planos de integrar os índios à civilização portuguesa, e impedir o desenvolvimento das Companhias de Jesus dentro do território colonial.

Como forma de “remediar os problemas criados com a expulsão dos jesuítas na área de ensino, a Coroa Portuguesa tomou medidas.

Foi criado um imposto especial, o subsídio literário – para sustentar o ensino promovido pelo Estado”.

Assim, Pombal reformou o ensino em Portugal e no Brasil, retirando dos jesuítas o direito de ensinar. Em função das reformas pombalinas foi criado em Pernambuco o seminário de Olinda – instituição especializada em ciências naturais e matemática.

O ensino passou então a ser responsabilidade do Estado, como podemos ver no documento que segue:

Estatutos que hão de observar os mestres das escolas dos meninos nesta capitania de são Paulo, 1768.

  1.  Que haverá dois Mestres nesta Cidade e um em cada uma das Vilas adjacentes, os quais serão propostos pelas Câmaras respectivas, e aprovados pelo General, e não poderão exercitar o seu ministério sem ser com esta aprovação e dela tirarem Provisão ou licença.
  2. Que todos os meninos que admitirem, será com despacho do mesmo General, e não poderão passar à outra escola sem preceder o mesmo despacho, e isto para que os Mestres os possam castigar livremente sem o receio de que os pais os tirem por esse motivo ou por outros frívolos que comumente se praticam, e havendo de os quererem tirar para outro qualquer emprego, darão fiança para apresentarem, em tempo determinado, certidão de ocupação ou ofício, em que os tem empregado.
  3. Que nenhum menino possa passar aos estudos da língua latina, sem preceder a mesma licença, a qual se dará com informação do mestre, sobre a sua capacidade, para se saber se se acham bem instruídos no ler, escrever, e contar, e bons costumes, para que não suceda passarem a outros estudos maiores, sem estes primeiros e mais necessários fundamentos, da Religião Cristã e obrigações civis.

FONTE: Documento retirado do livro de: DEL PRIORE, Mary. o livro de ouro da história do Brasil. Rio de Janeiro: Ediouro, 2001, p. 120-121

Neste sentido, o marquês de Pombal representava o próprio Estado português. Ou melhor, ele era o principal representante de um grupo social específico, a burguesia portuguesa.

Camada social que pedia reformas políticas, educacionais e, principalmente, vantagens comerciais que foram suspensas com a abertura dos portos brasileiros.

A centralização política foi uma das principais ações da administração pombalina.

Esta centralização caracterizou-se pelo poder reunido em um único lugar.

Se em Portugal as ordens partiam de Lisboa, no Brasil as ações deveriam ser gerenciadas do Rio de Janeiro.

Devemos considerar que o Rio de Janeiro detinha portos mais próximos da região das Minas Gerais, os quais passaram a superar o porto de Salvador, em termos de volume de mercadorias comercializadas.

A localização do porto também significou, para a Coroa, um controle mais eficaz sobre a região de mineração.

Neste sentido, a nova capital do Império passou a desfrutar uma hegemonia política e econômica.

O mercado, por sua vez, passou a ser influenciado por uma camada social de profissionais liberais ligados ao comércio, que tiravam vantagens mercantis com as novas condições que a cidade luminense desfrutava.

3. Reestruturação da capital Rio de Janeiro

A presença de D. João VI e da Corte Portuguesa impulsionou uma série de transformações socioculturais na cidade do Rio de Janeiro.

D. Pedro I e a família real portuguesa
D. Pedro I e a família real portuguesa

Gilberto Freyre em seu livro “Sobrados e Mucambos”, nos apresenta um quadro impressionista do príncipe regente, ao mesmo tempo que aponta as inovações urbanas da capital do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves.

Que tal então ler um trecho desta importante obra sobre o passado colonial brasileiro?

A presença no Rio de Janeiro de um príncipe com poderes de rei; príncipe aburguesado, porcalhão, os gestos moles, os dedos quase sempre melados de molho de galinha, mas trazendo consigo a coroa; trazendo a rainha, a corte, fidalgos para lhe beijarem a mão gordurosa mas prudente, soldados para desfilarem em dia de festa diante de seu palácio, ministros estrangeiros, físicos, maestros para lhe tocarem música de igreja, palmeiras imperiais a cuja sombra cresciam as primeiras escolas superiores, a primeira biblioteca, o primeiro banco; a simples presença de um monarca em terra tão republicanizada como o Brasil, com suas rochelas de insubordinação, seus senhores de engenho, seus mineiros e seus paulistas que desobedeciam ao rei distante, que desrespeitavam, prendiam e até expulsavam representantes de Sua Majestade (como os senhores de Pernambuco com os Xumbergas); que já tinham tentado se estabelecer em repúblicas; a simples presença de um monarca em terra tão antimonárquica nas suas tendências para autonomias regionais e até feudais, veio modificar a isionomia da sociedade colonial; alterá-la nos seus traços mais característicos (FREYRE, 2002, p. 723).

Entre as significativas alterações no panorama urbano do Rio destacamos a presença de órgãos de imprensa oficial (Gazeta do Rio de Janeiro e Idade de Ouro do Brasil); o Real Teatro de São João; além de bibliotecas, museus e academias.

Aconteceu naquele momento, na sede provisória do Império, uma verdadeira efervescência cultural.

Fundaram-se escolas: de medicina, de marinha, de guerra, de comércio; uma imprensa Régia; que sempre nos fora recusada; em 1814, uma livraria, que seria o núcleo de nossa biblioteca nacional; o Museu, o Jardim Botânico.

Uma verdadeira euforia – é o que narra John Mawe – tomava conta da colônia.

Criava-se tudo quanto até então nos havia sido recusado, tudo o que nos faltava, principalmente os utensílios, os instrumentos capazes de engendrar progressos no domínio da cultura intelectual.

Era como se o Brasil despertasse de um prolongado sono e se pusesse a caminho de sua libertação, um esboço de Universidade, que o Príncipe Regente quis confiar à direção de José Bonifácio.

O que a colônia não obtivera em três séculos obtinha agora em menos de uma década.

Este intenso movimento cultural estimulou os estudos científicos sobre a fauna e flora brasileira.

Com o intuito de conhecer os potenciais da natureza brasileira, naturalistas estrangeiros tiveram permissão para estudar a parte lusa do Novo Continente.

Estes estudiosos realizaram um verdadeiro trabalho de mapeamento da vegetação, dos animais, da geografia e das diferentes etnias da colônia.

4. O Espírito Científico e Artístico

A partir do início do século XIX, o mundo ocidental começou a conhecer a flora, a fauna e a geografia do Brasil.

O governo de D. João promoveu a vinda de cientistas e artistas europeus, que espalharam pelo país as primeiras sementes do desenvolvimento acadêmico.

Os naturalistas estrangeiros buscaram registrar as espécies animais e vegetais das florestas brasileiras, assim como mapear, através da pintura e do desenho, as paisagens do campo e da cidade.

Da mesma maneira, hábitos do povo, ou melhor, as diferentes culturas regionais, foram registradas (o que denominamos de registros etnográicos) pelos cientistas viajantes.

Entre os naturalistas, tiveram destaque Carlo Frederico Filipe von Martius, médico e botânico, João Batista von Spix, zoólogo, e Jorge Henrique von Langsdorff.

Além deles, vieram ao Brasil o mineralogista inglês John Mawe, e o naturalista francês Saint-Hilaire.

Em 1816 a Missão Artística Francesa chegou ao Rio de Janeiro.

Casamento de D. Pedro I e D. Amélia 1829, Jean-Baptiste Debret

Fizeram parte da Missão o arquiteto Montigny, que elaborou projetos de edifícios urbanos, e os pintores Taunay e Debret.

O último pintou, inclusive, os integrantes da família real portuguesa.

Vista do Convento de Santo Antônio para a baía de Guanabara (RJ), 1816, por de Nicolas Antoine Taunay.
Vista do Convento de Santo Antônio para a baía de Guanabara (RJ), 1816, por de Nicolas Antoine Taunay.
Naqueles decênios em que não existia a fotografia, não havia outro meio para fixar as plantas, os animais e as paisagens senão o desenho ou a pintura.

Por esse motivo, os naturalistas geralmente eram exímios desenhistas ou se faziam acompanhar por desenhistas especializados e pintores […].Debret passou 15 anos entre nossa gente, pintando e desenhando.

Além de exercer as atividades na Academia, retratou os diversos membros da família real e imperial, pintou quadros históricos e fez inúmeros estudos e esboços, que aproveitou em parte para confeccionar a sua obra Voyage Pitoresque et Historique au Brésil […].

Essa obra, publicada entre 1834 e 1839, é o resultado das observações e estudos da vida e da história brasileiras, sendo o primeiro volume dedicado aos indígenas e, os dois últimos, à vida quotidiana, cenas de rua e cenas históricas .

Os escritos e as imagens produzidas por estes viajantes, artistas e naturalistas estrangeiros, surgem como verdadeiros documentos históricos. Podemos conhecer, através deles, mais sobre aquele período.

Contudo, estas representações estrangeiras do Rio de Janeiro e de outras regiões brasileiras, estão repletas de preconceitos sobre a população, os costumes e a estrutura urbana colonial.

O Brasil era visto, de maneira geral, como um país arcaico e atrasado. Porém, a exuberante vegetação tropical foi o principal ponto de destaque daquelas imagens, representações do Brasil.

5. Hábitos da Corte Portuguesa

Além da construção de uma nova estrutura arquitetônica e do desenvolvimento das ciências e das artes, o espaço urbano do Rio de Janeiro serviu de palco aos nobres cortesãos e para membros da família real.

As ruas da cidade se tornaram palco para a encenação pública dos hábitos corteses.

Carruagens e vestimentas luxuosas, contrastavam com as ruas sujas e estreitas de uma cidade povoada por uma maioria afrodescendente.

A elite luso-brasileira incorporou novos hábitos, vindos menos de Portugal e mais da França e da Inglaterra.

Através dos ingleses chegou o gosto pelas residências em casas isoladas, bem divididas e mais higiênicas, distantes do centro da cidade; por produtos superiores em qualidade: cristais e vidros, louças e porcelanas, panelas de ferro.

Vieram também o reinamento dos modos de comer, com o uso de garfo e faca, e a utilização de novos remédios.

Apesar dos conflitos militares entre portugueses e franceses, quem ditava a moda no Rio era a França.

Ter “bom gosto” naquela época era ter sua casa decorada com papéis de parede franceses e móveis ingleses.

As mulheres deveriam saber se portar em público com a máxima discrição, saber ler e escrever.

Em um baile era necessário saber dançar adequadamente.

Todo um conjunto de normas de conduta servia, de fato, como uma forma simbólica de diferenciação entre a elite e a população pobre, quando não escrava. A etiqueta era uma forma visual de marcar as diferenças sociais e culturais.

Não tardou para a classe média urbana começar a imitar os hábitos corteses. Das práticas culturais apropriadas da nobreza, encontramos o passeio público nos jardins, o culto ao jardim, a admiração da natureza e o lazer ao ar livre.

6. Formação de uma Classe-Média

O desenvolvimento econômico, incentivado pela mineração do século XVIII e pela presença da Corte no Brasil, imprimiu características mais urbanas à sociedade colonial.

Neste sentido, novos grupos citadinos apareceram, e com eles uma maior diversificação proissional foi sentida na sociedade brasileira.

Até então esta sociedade estava dividida, predominantemente, entre uma aristocracia rural, que detinha as grandes propriedades, uma camada intermediária de trabalhadores livres (agricultores, artesãos, mercadores etc.) e escravos.

Contudo, nos tempos da mineração, houve um desenvolvimento comercial e de prestação de serviços que fez crescer uma camada média urbana, formada por funcionários públicos, militares, artesãos, profissionais liberais, literatos e comerciantes.

Por sua vez, as cidades, enquanto locais de moradia desta classe média, sofreram um processo de remodelação.

Os comerciantes das cidades investiam em inúmeros negócios: em escravos, em secos e molhados, em companhias de seguros, no sistema postal e em empresas educacionais.

Outros se tornaram banqueiros. Havia, também, os comerciantes que percorriam diferentes cidades para vender suas mercadorias.

Paralelamente às diversas formas de comércio volante, a urbanização havia, sobretudo, incrementado o mercado fixo. Esse se dividia em lojas e vendas.

As primeiras, grandes, encontravam-se nos centros urbanos, as segundas, menores, nas periferias.

Ambas mercadejavam produtos secos e manufaturados como panos e ferramentas, além de bebidas e alimentos.

Os inventários revelam, por exemplo, que numa dessas lojas o comprador encontrava diversos produtos, tais como incenso, marmelada, canela, barris de cachaça, toucinho e sal às panelas, sabão e frascos de vinagre. 

Seus proprietários financiavam a atividade de comerciantes ainda menores que lhes traziam mercadorias dos portos distantes, além de manter caixeiros, escriturários e guarda-livros, encarregados de cobranças e listas de estoque.

Os imigrantes que buscavam novas oportunidades no “eldorado tropical” foram os principais atores desta diversiicação sociocultural.

Eram alfaiates, tanoeiros, carapinas (marceneiros da marinha), calafates, prateiros, ourives, sapateiros. As mulheres dividiam-se entre bordadeiras, costureiras, chapeleiras e fabricantes de penas.

Entretanto, o desenvolvimento urbano e todo o colorido cultural contrastavam com as diferenças sociais entre livres e escravos, ricos e pobres.

Começava, então, a se configurar a diferença entre campo e cidade, entre o burguês urbano, identificado com os valores da civilização e o humilde interiorano que era associado a um país atrasado e ignorante.

7. Neste capítulo você viu:

  • As medidas centralizadoras adotadas pelo marquês de Pombal no Brasil, para fortalecer a estrutura administrativa da Colônia.
  • As principais transformações urbanas e sociais realizadas na cidade-capital do império português, nos trópicos.
  • O incentivo à criação de instituições de pesquisa e de ensino laico, e o financiamento de expedições cientíicas e artísticas ao Brasil, a fim de conhecer a natureza e a cultura brasileira.
  • Os hábitos da corte como diferencial simbólico de poder.
  • A formação de uma classe média urbana, em função do desenvolvimento e da diversificação da sociedade colonial.

Veja os seguintes Períodos da História do Brasil Colonial:

  1. Independência do Brasil – Rompimento dos laços coloniais no Brasil
  2. Império Português no Brasil – Família Real Portuguesa no Brasil
  3. Transferência da corte portuguesa para o Brasil
  4. Fundação da cidade de São Paulo e os Bandeirantes
  5. Periodo de Transição entre o Brasil Colônia e Brasil Império
  6. Engenho Colonial Açucareiro no Brasil
  7. Monocultura, Trabalho Escravo e Latifúndio no Brasil Colônia
  8. Instalação do Governo Geral no Brasil e a Fundação de Salvador
  9. A Expansão Marítima Portuguesa e a Conquista do Brasil
  10. Ocupação da Costa Africana, das Ilhas do atlântico e a viagem de Vasco da Gama
  11. Expedição de Pedro Álvares Cabral e a Conquista do Brasil
  12. Período Pré-Colonial no Brasil – Os Anos Esquecidos
  13. Instalação da Colônia Portuguesa no Brasil
  14. Períodos da História do Brasil Colonial
  15. Períodos Históricos do Brasil
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